Para Costa e Marcelo, nacionalizar Novo Banco é cenário de última linha
Apollo apresentou nova proposta de compra, mas ultrapassa “linha vermelha” de Centeno. António Costa concertou posições com o governador. Nacionalização é possível, mas difícil.
Governo e Presidente da República admitem a possibilidade de manter o Novo Banco na esfera pública, como cenário de última linha. E nem apontam para uma nacionalização no sentido literal do termo, mas para uma intervenção que permita ganhar tempo para vender parte do capital da instituição e, assim, permitir cumprir os compromissos assumidos pelo ministro das Finanças com Bruxelas e Frankfurt.
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Governo e Presidente da República admitem a possibilidade de manter o Novo Banco na esfera pública, como cenário de última linha. E nem apontam para uma nacionalização no sentido literal do termo, mas para uma intervenção que permita ganhar tempo para vender parte do capital da instituição e, assim, permitir cumprir os compromissos assumidos pelo ministro das Finanças com Bruxelas e Frankfurt.
O eixo São Bento-Belém, de resto, continua alinhado sobre o seguimento a dar às negociações que envolvem o terceiro maior banco a operar em Portugal. Um tema que se arrasta há dois anos e meio, e que se tem revelado difícil e complexo. E a prova é que o Banco de Portugal (BdP), a autoridade de resolução, está pela segunda vez a tentar colocar no mercado a instituição. E está mais uma vez em dificuldades. Ao final da noite de quarta-feira o BdP recomendou o fundo norte-americano Lone Star, mas disse que vai continuar a aprofundar negociações com os restantes interessados, deixando tudo em aberto. Esta quinta-feira, o Governo deve pronunciar-se sobre o Novo Banco, após o Conselho de Ministros.
Quer o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quer o primeiro-ministro, António Costa, partilham preocupações que se estendem, aliás, ao governador Carlos Costa: preservar a estabilidade do sistema financeiro como um todo, e garantir que o Novo Banco corta, o mais breve possível, o vínculo ao estatuto de banco de transição. Isto, para o libertar da pressão da liquidação, um risco que corre se, até Agosto de 2017, não sair do controlo do Fundo de Resolução, o dono.
A meio de Dezembro todos estavam convencidos de que a proposta do China Minsheng vingaria e que seria possível dá-la como vencedora do “concurso” antes do Natal. Em causa estava a tomada de 51% do Novo Banco, por aumento de capital, em duas tranches, uma de 600 milhões de euros, seguida de outra de 150 milhões. Mas os chineses falharam a condição básica da operação: a entrega junto do BdP de prova de que dispunham dos capitais para pagar o investimento.
A dificuldade foi justificada pelos entraves levantados pelo governo de Pequim à saída de capitais da China, a que se terão juntado dois obstáculos: o Haitong Hong Kong recuou no compromisso de avançar com um empréstimo ponte por ano e meio ao Minsheng, que depois desta recusa também não conseguiu, em alternativa, atrair investidores europeus.
A ausência de exibição de garantias bancárias acabou por forçar o BdP a voltar-se para o fundo norte-americano Lone Star, um veículo imobiliário, que nos últimos três meses manteve, a par dos chineses, conversações com Sérgio Monteiro. E este foi o homem que Carlos Costa encarregou de vender a instituição, hoje liderada por António Ramalho. O Lone Star mostra-se disponível para pagar 750 milhões ao Fundo de Resolução e realizar um aumento de capital imediato no mesmo valor. Mas condiciona a transacção a receber do Estado português uma contragarantia pública sobre 2500 milhões de euros de activos. Ou seja: quer proteger-se à custa dos contribuintes contra contingências que possam, ou não, materializar-se. O que terá implicações no défice.
Já na recta final, em cima da reunião do Conselho de Administração do BdP que nesta quarta-feira discutiu as avaliações e recomendações de Sérgio Monteiro, apareceu o outro fundo norte-americano — o Apollo, dono da Tranquilidade — com uma nova oferta revista. Já sem prever uma segunda resolução, como previa, a proposta continua sem ser detalhada e aparece como pouco consistente, soube o PÚBLICO. Este fundo, que tem a seu lado o Centerbridge e, nos últimos dias, o grupo Violas (ex-BPI), também condiciona o seu interesse a receber do Estado uma garantia pública para se precaver contra eventuais desvalorizações de activos. E os valores que circulam são igualmente expressivos. O PÚBLICO apurou que, independentemente da avaliação do BdP, ainda vai haver espaço para que as propostas possam ser melhoradas. Resta saber se convencem a tutela.
Costa avisou Carlos Costa
Aos olhos do Governo, este é o pior cenário: a entrega do Novo Banco a um destes fundos, vistos como “fundos abutres”, com o objectivo de rentabilizar rapidamente o capital, com o desmembramento do activo.
Foi neste contexto de urgência, e sabendo deste cenário, que na terça-feira António Costa falou com o governador do BdP, o que foi confirmado ao PÚBLICO. E Carlos Costa foi avisado de que o Executivo tinha linhas vermelhas. Limites que Mário Centeno veio ontem marcar numa entrevista à TSF e ao Diário de Notícias: "Uma garantia de Estado para suportar um negócio privado e que ponha em risco dinheiro dos contribuintes é obviamente algo que nós não estamos a perspectivar neste negócio”, disse. E com outro alerta: “O processo não vai terminar agora.” Leia-se: tudo vai continuar em aberto até haver uma solução que António Costa considere viável e credível.
Entre os socialistas mais próximos do primeiro-ministro são vários os que têm aconselhado a não dar por encerrado o dossier com a recomendação do BdP de entrega a um dos fundos de investimento. No círculo de São Bento há sinais de desconforto com a acção do Lone Star que, segundo alegam, se deu ao luxo de fixar a data de 4 de Janeiro para o Governo responder. E há quem sublinhe mesmo que não são os fundos de investimento a marcar datas para o fim do processo. Mas também há incómodo por a Apollo ter demorado mais de três meses a movimentar-se para se ajustar aos requisitos das autoridades. E nem isso fez de forma efectiva, defendem.
Daí as vozes a defender que a prioridade é “afastar os fundos abutres” do caminho de um banco que tem 16% do mercado. A ideia não é apenas tentar forçar propostas melhores, mas dar espaço a procurar outras soluções, como a criação do prometido veículo para o crédito malparado da banca. “É preciso dar a volta à equação: vale a pena adiar para resolver os problemas de rentabilidade. Só aí conseguimos atrair capital privado”, diz ao PÚBLICO uma dessas fontes. É que o Novo Banco tem 13 mil milhões de activos, parte considerados de risco.
Espaço para a nacionalização?
E manter o banco no domínio público está na agenda, para o vender com tempo. No fim da linha, só aí, aparece considerada a hipótese de uma “nacionalização”. Um caminho que não é simples. Nesta fase, como disse o ministro das Finanças, não há soluções excluídas, mas é de longe a menos apetecível para Governo e Presidência. Até pela consciência de que haveria muitos obstáculos pelo caminho.
A hipótese nacionalização está prevista na própria directiva europeia sobre resolução e recuperação bancária, tal como explica o economista Ricardo Cabral. Segundo o economista, a directiva prevê a possibilidade de uma nacionalização completa, sendo que a condição essencial para poder avançar já está cumprida: é terem sido impostas perdas a accionistas, credores subordinados e credores seniores equivalentes a, pelo menos, 8% dos passivos totais. No caso do Novo Banco, tudo isto já aconteceu durante a aplicação da medida de resolução ao BES. Mas há obstáculos grandes: uma nacionalização estaria ainda sujeita às regras de ajuda de Estado da União Europeia, o que pode significar novos riscos para o banco. E requer aprovação prévia e final pela Comissão Europeia.
A mesma directiva, segundo o economista, prevê que a nacionalização seria temporária, não impondo, no entanto, quaisquer prazos para a venda do banco nacionalizado, ocorrendo a venda logo que as “condições comerciais e financeiras o permitam”.
Se, no final, equacionadas todas as hipóteses, a via que menos onerar os contribuintes for manter o Novo Banco na área pública, as autoridades vão ter de iniciar uma negociação detalhada (e que se prevê complicada) com Bruxelas e Frankfurt. Mas semelhante à que se verificou com a recapitalização da CGD, que o anterior Executivo chefiado por Passos Coelho dizia não ser viável. Agora, António Costa até tem um argumento novo: para salvar o banco Monte dei Paschi di Siena, o Governo italiano encontrou uma via engenhosa, com regras particulares e, aparentemente, tolerada na União Europeia.