O vencido da vida
Manchester by the Sea, crónica do regresso a casa de um Casey Affleck vencido pela vida, não é a obra-prima que a aclamação crítica anuncia.
Kenneth Lonergan é dramaturgo de profissão, e é isso que explica porque é que os melhores momentos de Manchester by the Sea são os mais simples, aqueles onde aparentemente nada acontece. Duas ou três pessoas no máximo, uma conversa, um silêncio, uma pausa, um cenário, que dizem mais do que movimentos de câmara impecavelmente coreografados. Manchester by the Sea é isso: uma sucessão de quadros sobre o que acontece quando um porteiro de Boston sabe da morte do irmão e tem de regressar à cidade natal que abandonou há anos depois de uma tragédia familiar que se revelará. Lonergan não precisa de inventar muito para desenhar que Lee é persona non grata: basta-lhe ter Casey Affleck (muito bom, o que nele já é habitual) em modo “vencido da vida”, colocá-lo na cena e pôr a câmara a rodar.
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Kenneth Lonergan é dramaturgo de profissão, e é isso que explica porque é que os melhores momentos de Manchester by the Sea são os mais simples, aqueles onde aparentemente nada acontece. Duas ou três pessoas no máximo, uma conversa, um silêncio, uma pausa, um cenário, que dizem mais do que movimentos de câmara impecavelmente coreografados. Manchester by the Sea é isso: uma sucessão de quadros sobre o que acontece quando um porteiro de Boston sabe da morte do irmão e tem de regressar à cidade natal que abandonou há anos depois de uma tragédia familiar que se revelará. Lonergan não precisa de inventar muito para desenhar que Lee é persona non grata: basta-lhe ter Casey Affleck (muito bom, o que nele já é habitual) em modo “vencido da vida”, colocá-lo na cena e pôr a câmara a rodar.
Mas Lonergan é dramaturgo de profissão e é isso que explica porque é que Manchester by the Sea nunca dá o salto que podia dar para ser mais do que só mais uma história de “vencidos da vida”. Esta crónica de um regresso a casa tem momentos extraordinários (um encontro casual entre as personagens de Affleck e Michelle Williams é magnífico; as cenas de bar e de hospital, por exemplo), mas os seus “tempos fortes” dispersam-se ao longo de um filme um pouco lasso, ocasionalmente redundante, que parece, como o seu protagonista, estar sempre a pedir desculpa por existir e estar ali. Sentimos que Manchester by the Sea é uma peça de teatro um bocadinho perdida no grande écrã, que se desfoca aqui e ali para logo a seguir corrigir o rumo mas nesse processo se dispersa em divagações algo supérfluas.
Não é – longe disso – um mau filme; é, até, um bom exemplo de que o “modelo Sundance” que tem guiado muita da produção independente americana ao longo dos últimos anos não está ainda esgotado (Lonergan e Affleck são bons a evocar o vazio anestesiado que a morte súbita de um próximo deixa atrás de si, a explicar quase sem palavras como algumas dores nunca desaparecem). Mas a sua aclamação por parte da crítica anglo-americana, que o coloca à cabeça do pelotão dos Óscares, tem algo de “compensação” pela desatenção ao anterior filme do dramaturgo (Margaret, de 2011), que, remontado à revelia de Lonergan, mal estreou em sala e só a posteriori foi aclamado como um grande filme), ou de resignação (como se “isto” fosse o melhor que uma Hollywood anquilosada e rendida aos franchises consegue fazer). Como quem diz que os “vencidos da vida” têm sempre direito à segunda oportunidade. É difícil não simpatizar com Manchester by the Sea; é mais difícil acreditar que está aqui um grande filme.