Uma “terra de cerejas” que também quer ser uma “terra de tecnologias”

Fundão tem uma estratégia integrada para atrair empresas e mão-de-obra qualificada ao mesmo tempo. Quarto de uma série de seis trabalhos sobre o desenvolvimento do interior do país.

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Os amigos de Ruben Carvalho, em Lisboa, ficaram de boca aberta. Fundão?! “Existe muito a ideia de que no interior não há trabalho. ‘Vais para o interior fazer o quê?’ A empresa abriu um centro e vou para lá. ‘Então sais daqui, deixas a tua família, tens de fazer caminho para trás e para a frente.’ Muitas pessoas vão para o estrangeiro, vão para mais longe, têm de fazer mais horas do que eu.”

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Os amigos de Ruben Carvalho, em Lisboa, ficaram de boca aberta. Fundão?! “Existe muito a ideia de que no interior não há trabalho. ‘Vais para o interior fazer o quê?’ A empresa abriu um centro e vou para lá. ‘Então sais daqui, deixas a tua família, tens de fazer caminho para trás e para a frente.’ Muitas pessoas vão para o estrangeiro, vão para mais longe, têm de fazer mais horas do que eu.”

O engenheiro de electrotecnia e computadores já trabalhava para a Altran em Lisboa. A empresa, de origem francesa, ia abrir um centro nearshore, isto é, um núcleo que presta serviços de tecnologias da informação e engenharia das telecomunicações. E queria que ele fosse liderar uma equipa. Os pais suspiraram de alívio. “Pensavam que mais tarde ou mais cedo iria emigrar.”

A empresa estudara várias latitudes. Portugal oferece aquilo a que João Minhota, o director do centro, chama “vantagens competitivas”. “Somos mais caros do que os indianos ou os marroquinos, mas mais baratos do que os franceses. O nosso diálogo com franceses, ingleses, alemães é mais fácil. Se for preciso uma reunião, em poucas horas estamos onde for.” A empresa analisara vários municípios. “A Câmara do Fundão é activa e inovadora a apoiar as empresas a instalarem-se.”

O autarca Paulo Fernandes não quer que o Fundão seja apenas “terra de cerejas”. Aproveitado a desterritorialização que o digital permite, quer que seja “também terra de tecnologias de informação e comunicação”. E muito tem andado de “malinha na mão”. “Visitei 322 empresas na área tecnológica nos últimos quatro anos”, diz. Havia três engenheiros informáticos e nenhuma empresa do sector no concelho. Agora, 11 empresas vindas de fora e perto de uma dezena de start-ups. “Nós dizemos que no interior se vive muito bem. Eu limitei-me a pôr um preço a isso, a pôr isso nas folhas de cálculo quando falo com as empresas, a tornar isso um factor chave”.

Estilo de vida saudável

Não tem a abordagem “clássica”, centrada no preço do metro quadrado das instalações. Tem uma estratégia integrada. Não lhe basta atrair empresas, precisa de atrair trabalhadores qualificados. E é neles que se foca. Promete-lhes um estilo de vida saudável (farão cinco minutos a pé entre a casa e o trabalho). Garante-lhes um programa de formação avançada (não será por estarem no Fundão que não poderão evoluir). Acena-lhes com uma bolsa de arrendamento low-cost. “Se a pessoa tem de se mudar, temos de reduzir os custos associados e de facilitar”, defende.

Na hora de escolher casa, Ruben estava em Paris. Enviaram-lhe algumas fotografias e pediram-lhe que decidisse. Foi antes do centro abrir, em Abril de 2013. “As coisas não estavam bem organizadas. Hoje está melhor.” A autarquia afinou o processo. Os trabalhadores auxiliam-se. “Quando chegámos, as pessoas olhavam um bocadinho de lado, desconfiadas. Havia rumores. Coisas absurdas. Dizia-se que nos tratavam mal, que não nos pagavam, que isto era horrível.” Havia quem lhe perguntasse: “O que fazem lá? Arranjam computadores?” E ele explicava que não, que desenvolvem software, que trabalham para clientes internacionais. “Como, se estão aqui?”

A cidade habituou-se aos engenheiros. E está a renovar-se com eles, nota o director do Jornal do Fundão, Nuno Francisco. As casas do centro, outrora devolutas, vão sendo recuperadas, arrendadas. Os recém-chegados frequentam cafés, restaurantes, ginásios. Só a Altran tem 200 a trabalhar no antigo multiusos, um edifício grande, liso, e planeia ter outros tantos até ao final de 2018. Pascale Raybund gere a equipa que está a recrutar engenheiros de informática, telecomunicações, electrotecnia. Garante que os recém-licenciados da região são fáceis de captar, os profissionais de fora é que não, “especialmente jovens licenciados, solteiros, que gostam de sair. Temos de os aliciar com os projectos que somos capazes de alocar e com as condições de vida.”

Michel Lopes, 26 anos, nem tinha acabado o curso, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Entusiasmou-se com a ideia de trabalhar em projectos internacionais e de gerir o tempo. “Consigo sair daqui, ir ao ginásio, ir para casa fazer o jantar. Não tenho stress. Consigo fazer tudo a pé.” Já trouxe o irmão. E, a cada duas ou três semanas, vão a Mondim de Bastos visitar os pais.

Ficará algum daqueles engenheiros a morar no Fundão? “É complicado dizer”, retorque Micael. “Na nossa área, a média de mudança de empresa é 18 meses.” Não há semana em que Ruben não receba uma proposta de trabalho. “Eu vou atrás de oportunidades. As oportunidades estão no Fundão, vim para cá. Se estiverem em Lisboa ou no Porto, é o que faço.”

Integrados na comunidade?

“Claro que a minha expectativa é que eles se integrem na comunidade”, admite Paulo Fernandes. “Acho que o que é importante é as pessoas sentirem-se bem, sentirem-se realizadas.” O Fundão passou de 31,4 mil habitantes em 2001 para 29,2 mil em 2011. “Nos valores intercalares, estamos praticamente com o mesmo número de pessoas. Estamos a suster a sangria”, afiança.

Que não haja ilusões. “É muito fácil, de um dia para outro, uma empresa destas mudar de sítio. Podemos encarar as coisas do ponto de vista negativo ou do ponto de vista da realidade económica”, declara o director do centro. “As empresas procuram benefícios enquanto os há, ao nível que há, até ao prazo em que os há.” Paulo Fernandes sabe isso. Tem presente a história dos lanifícios. “Nós conhecemos como ninguém o preço da recolocação.” E, por isso, continua a “tentar atrair empresas do mundo inteiro”. “Isto é um trabalho permanente. Espero que dê frutos.”

Os repórteres percorreram o país com o apoio da bolsa de criação jornalística “Aquele outro mundo que é o mundo”, atribuída pela ACEP, a Associação Coolpolitics, o CEIS20/UCoimbra e o CEsA-ISEG/ULisboa, com financiamento da Cooperação Portuguesa e da Fundação C. Gulbenkian.