É uma pequena rã e só existe na ilha do Príncipe
O arquipélago de São Tomé e Príncipe continua a ser uma caixinha de surpresas. Uma expedição pelas duas ilhas principais permitiu descobrir uma espécie de rã nova para a ciência.
As aparências iludem e podem passar 100 anos até que alguém diga que estão erradas. As rãs que o digam. Uma equipa da Academia das Ciências da Califórnia, nos Estados Unidos, em expedição por São Tomé e Príncipe descobriu que algumas rãs identificadas como Hyperolius molleri pertenciam, afinal, a uma nova espécie: a Hyperolius drewesi. A sua descrição científica foi agora publicada na revista Herpetologica.
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As aparências iludem e podem passar 100 anos até que alguém diga que estão erradas. As rãs que o digam. Uma equipa da Academia das Ciências da Califórnia, nos Estados Unidos, em expedição por São Tomé e Príncipe descobriu que algumas rãs identificadas como Hyperolius molleri pertenciam, afinal, a uma nova espécie: a Hyperolius drewesi. A sua descrição científica foi agora publicada na revista Herpetologica.
Situadas no Golfo da Guiné, as ilhas de São Tomé e Príncipe têm uma vasta vegetação acumulada no solo, que é arrastada pelos rios e pelas grandes chuvadas. Por isso, tornam-se o habitat ideal para os anfíbios. Até há bem pouco tempo, estavam registadas sete espécies endémicas de anfíbios nas duas ilhas. Dentro destas espécies que só existem ali, havia duas rãs que vivem nos juncos (do género Hyperolius). Uma é a espécie Hyperolius molleri, que se encontra nas duas ilhas, a outra é a Hyperolius thomensis vive apenas em São Tomé.
Investigadores da Academia das Ciências da Califórnia – liderada pelo herpetólogo norte-americano Robert Drewes e que é membro do comité científico da Reserva Mundial da Biosfera da Ilha do Príncipe, da UNESCO – , começaram a fazer expedições a São Tomé e Príncipe para estudar a enorme biodiversidade destas ilhas.
Ao longo de 15 anos de expedições, já foram descobertas cerca de 20 novas espécies: duas rãs, uma osga, dois peixes, um escaravelho, mais de seis cogumelos, dois crustáceos, uma formiga e duas cobras.
Para a nova espécie de rã agora encontrada foi fundamental a recolha de vários exemplares ao longo das expedições, entre 2001 e 2013. Assim pôde-se comparar as diferenças entre as espécies de rãs presentes nas duas ilhas.
A entrada da investigadora norte-americana Rayna Bell para a equipa, em 2012, fez a diferença nesta história. Foi ela que reparou em algo estranho nos exemplares da ilha do Príncipe até então classificados como Hyperolius molleri: “As rãs dos juncos do Príncipe eram diferentes das de São Tomé. As rãs raramente atravessam o mar – não conseguem sobreviver muito tempo em água salgada – e parecia-me estranho que a migração entre as ilhas tivesse sido frequente”, conta ao PÚBLICO a investigadora. É que cerca de 150 quilómetros separam São Tomé e Príncipe.
Mas não bastam desconfianças para se definir uma nova espécie. O que foi então feito? Através da sequenciação do ADN de amostras das rãs, a investigadora conseguiu perceber melhor a sua anatomia em laboratório e, por fim, detectou as diferenças. Sequenciou dois genes das mitocôndrias da nova espécie, bem como da Hyperolius molleri da Hyperolius thomensis. Tinham linhagens distintas.
Rayna Bell conta-nos que estas diferenças se devem ao tempo em que as ilhas já estiveram isoladas. O arquipélago São Tomé e Príncipe só começou a ser habitado há 500 anos: “A partir daí, as espécies começaram a mudar genética e anatomicamente e a nível do comportamento. Por vezes, ‘descobrir’ uma nova espécie envolve observar as espécies de perto e revelar o que afinal já é conhecido.”
Eis que surgiu então uma nova espécie. E até foi fácil para Rayna Bell atribuir-lhe um nome vulgar. No artigo científico em inglês, propôs “Drewes’ reed frog”, algo como rã-dos-juncos-de-drewes. E o seu nome científico é Hyperolius drewesi. “Teve de ficar com o nome do meu mentor Robert Drewes, em honra ao seu contributo para o estudo dos anfíbios em África e, em particular, da biodiversidade de São Tomé e Príncipe.”
A nova espécie está espalhada por sete locais com altitudes variadas na ilha de Príncipe. Podemos encontrá-la perto de riachos que correm lentamente, em lagos temporários em florestas ou até em habitats onde há muitas pessoas.
Mesmo que as diferenças entre a Hyperolius drewesi e outras espécies não se tenham notado durante 100 anos, elas estão lá. Tanto o macho como a fêmea da “Hyperolius drewesi” são monocromáticos, ou seja, ambos verdes. Já a “Hyperolius cinnamomeoventris”, umas das espécies endémicas comparadas, tem diferenças entre os sexos, a fêmea é verde e o macho cor de bronze com riscas amarelas.
A rã-dos-juncos-de-drewes também difere da Hyperolius thomensis no tamanho: pode ter entre 24,8 a 30,9 milímetros de comprimento, enquanto a “Hyperolius thomensis” tem entre 36,1 a 41,2 milímetros. Assim como há diferenças na coloração do ventre, em que a Hyperolius drewesi é branca ou translúcida e a “Hyperolius thomensis” é preta ou laranja.
Levar o laboratório às escolas
A acompanhar de perto esta descoberta esteve a investigadora portuguesa Maria Jerónimo. Actualmente está a terminar o doutoramento em evolução e desenvolvimento, no Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras, e decidiu embarcar na expedição a São Tomé e Príncipe. “Realmente, as duas espécies eram muito parecidas morfologicamente e devido a esta equipa descobriu-se a diferença”, diz-nos.
Mas Maria Jerónimo não esteve na expedição por causa das rãs. A cientista portuguesa integrou a equipa para divulgar ciência nas escolas de São Tomé e Príncipe. “Só” faz ciência em laboratório e sentiu que tinha de levar tudo isso para fora. “Toda a ciência que se faz deve-se levar à sociedade. Afinal, é da sociedade que vem o financiamento e gosto de dar o retorno.”
Cada expedição dura cerca de um mês. Este ano, Maria Jerónimo esteve nas duas ilhas entre 12 de Novembro e 11 de Dezembro e, no ano passado, entre Setembro e Outubro. Em cada expedição visitou cerca de 50 turmas de 27 escolas do ensino básico em São Tomé e Príncipe e conheceu 2200 alunos com quem falou sobre a biodiversidade das ilhas.
Este ano, Maria Jerónimo foi às escolas acompanhada pela equipa de Robert Drewes. Levaram binóculos, lupas e o livro As Nossas Águas Costeiras, escrito pela investigadora brasileira Roberta Ayres (da equipa de Robert Drewes) e que Maria Jerónimo fez a revisão.
Com o grupo também vai sempre uma mensagem. Maria Jerónimo gosta de a contar assim aos mais novos: “As vossas ilhas são especiais. Têm animais especiais e vocês são os donos. Tentem saber mais sobre elas e depois falem delas com familiares e amigos.”
Parece que as crianças que Maria Jerónimo tem encontrado em São Tomé e Príncipe são boas alunas: “Quando vamos para a expedição ao final do dia, vemos os miúdos com as lupas a procurar os animais especiais de que lhes falámos.” Talvez ainda venham a encontrar novas espécies de rãs em São Tomé e Príncipe.