Eu vi 2017, e vai ser só homens
Digam comigo: queremos mais opiniões de mulheres no debate público português e de jovens e minorias.
De todas as previsões para o próximo ano, aquela em que tenho menos medo de errar é na seguinte: no próximo ano vamos passar muito tempo em salas de conferência, estúdios de televisão e páginas de publicações discutindo o futuro de Portugal, da Europa e do mundo, e vamos ser quase sempre só homens brancos de meia-idade ou mais velhos. Quem reclamar vai ser considerado irritante.
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De todas as previsões para o próximo ano, aquela em que tenho menos medo de errar é na seguinte: no próximo ano vamos passar muito tempo em salas de conferência, estúdios de televisão e páginas de publicações discutindo o futuro de Portugal, da Europa e do mundo, e vamos ser quase sempre só homens brancos de meia-idade ou mais velhos. Quem reclamar vai ser considerado irritante.
Os debates serão longos, chatos e sem novidade. Um dos homens de meia-idade suspirará pelo tempo em que não havia euro, outro pelo tempo em que não havia UE, e uma das perguntas do público será de um homem com saudades do tempo em que não havia imigração. A época por que se suspira será determinada pelo conteúdo dos livros que o homem em causa terá lido quando estava na licenciatura. A prioridade será regressar à normalidade que neles era descrita para que o homem possa explicar as receitas e soluções que já conhece de cor.
Os debates avançarão pouco. E o debate sobre os debates avançará muito pouco. A ninguém passará pela cabeça que uma composição diferente dos painéis — com mais mulheres, mais jovens e até, sacrilégio!, mais minorias — dará resultados mais interessantes. Ninguém dará muita consideração ao argumento de que experiências pessoais diferentes trarão consigo ideias diferentes, e que essa diversidade é proveitosa para a comunidade. Argumentos desses serão considerados picuinhas, estrangeirados e “politicamente corretos”. Se uma mulher os usar, dir-se-lhe-à primeiro que tem razão e que aquela infelicidade será corrigida com o tempo, mas à segunda vez lançar-se-lhe-à um olhar que dirá “por que és tão chata, sua feminista impenitente?”. Se um homem se queixar, faça-se de conta que ele não disse nada; à segunda, diga-se-lhe que poderá ele então ceder o seu lugar a uma mulher. O objetivo é ter painéis de homens que não se queixem por estarem em painéis só de homens e, de preferência, que nem sequer reparem que o painel só tem homens.
Gostaria muitíssimo de me enganar. Gostaria que os organizadores de tanta reflexão tomassem a diversidade e a representatividade como resoluções de Ano Novo. Conheço todas as desculpas em contrário. Sei que o trabalho de organização é ingrato, mal pago (na melhor das hipóteses) e feito às pressas. Mas há remédios. Organizem atempadamente uma lista de possíveis oradoras e peçam às mesmas para contribuir com mais nomes. Liguem às pessoas de minorias que conhecem e peçam-lhes ajuda (é desconfortável para ambos os lados? possivelmente, mas não mais do que nunca ser ouvido ou nunca estar representado). Sei que as direções das fundações, das revistas e das associações cívicas continuarão a ter uma grande dificuldade em escolher mulheres para os debates, entre outras razões porque têm pouquíssimas mulheres entre os seus membros. Alterem os estatutos para adicionar uma missão geral de promover a diversidade nas vossas atividades correntes e, já agora, a obrigatoriedade de incluir mais mulheres nos órgãos. Não se arrependerão.
(Antes que perguntem: sim, sei que apareci ontem num cabeçalho deste jornal rodeado só por homens, e que participo num programa de televisão só com homens. Mas protesto sempre e, nas ocasiões em que tive poder de decisão, fiz tudo o que está descrito no parágrafo anterior. O resultado não foi só melhor em justiça, mas também em qualidade, eficácia e aprendizagem.)
Sei que a envolvente não ajuda. Os jornais, rádios e televisões não costumam dar o exemplo. Também aqui os editores e diretores podem avançar com uma resolução de Ano Novo. Digam comigo: queremos mais opiniões de mulheres no debate público português, e já agora de jovens e minorias também. Comuniquem essa decisão à vossa assistente ou secretária (já repararam que é provavelmente uma mulher?), estabeleçam uma meta, aprovem-na com quem tiver de ser, e cumpram-na em 2017. Se mais nenhum argumento vos convencer, ao menos que seja este: ajudem-me a falhar numa previsão.