A miragem da paz
John Kerry, responsável diplomático dos Estados Unidos, fez um discurso duro em defesa da abstenção americana na resolução da ONU que condena os colonatos. O discurso vem com atraso e surge apenas porque é agora óbvio que a solução dos dois Estados está em causa e o plano de Oslo corre o risco de desaparecer sem ser sequer tentado. Esse é o plano de Netanyahu e é também essa a ideia de Donald Trump.
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John Kerry, responsável diplomático dos Estados Unidos, fez um discurso duro em defesa da abstenção americana na resolução da ONU que condena os colonatos. O discurso vem com atraso e surge apenas porque é agora óbvio que a solução dos dois Estados está em causa e o plano de Oslo corre o risco de desaparecer sem ser sequer tentado. Esse é o plano de Netanyahu e é também essa a ideia de Donald Trump.
Mas este discurso de Kerry é também o reconhecimento de um falhanço. A política externa de Obama para o Médio Oriente falhou em toda a linha, em grande parte porque esta rispidez nunca existiu. E ela só foi tomada agora porque Donald Trump está prestes a tomar posse e a política externa americana vai ser mais pró-israelita do que foi nas últimas décadas.
Tivesse Obama tomado esta atitude no início do seu mandato, demonstrando de forma clara que se mantinham defensores de Israel sem passar cheques em branco a Telavive, tudo poderia ser diferente agora. No mínimo, Kerry teria evitado este reconhecimento de culpa disfarçado ao aceitar um voto nas Nações Unidas que vai contra o que defendeu nestes anos.
Até porque nada no Médio Oriente é a preto e branco, apesar de ser esta a mundividência preferida por Benjamin Netanyahu. Muito menos os colonatos. Os colonatos não são uma expressão doutrinária do Estado israelita. Foram uma arma expansionista para estabilizar território em diversos momentos, mas hoje são efectivamente uma peça de um puzzle diplomático-militar que quer apenas uma coisa: reverter a solução de dois Estados que Netanyahu não será nunca capaz de aceitar.
As famílias que ocupam os colonatos são usadas como parte de um projecto que quer ganhar terra e ocupar pela força território palestiniano. E isso impede na prática qualquer esperança de uma resolução pacífica do problema. Há outras questões onde o bom senso penderia a favor de Israel, como a situação de Jerusalém e o reconhecimento do Estado judaico. Infelizmente, o bom senso não é algo comum na região e a paz é cada vez mais uma miragem.
É possível ser admirador do Estado judaico e, no entanto, questionar a política expansionista que efectivamente impede a paz na região. E, por muito que custe a Netanyahu, é também possível ser defensor de Israel aceitando a solução dos dois Estados, que parece ser hoje a única forma de tentar uma paz na região. Vários líderes israelitas, incluindo Sharon, perceberam isto. É pena que o actual primeiro-ministro israelita e o povo que o elegeu não percebam.