“Não consigo convencer o accionista a pôr mais dinheiro aqui”
O presidente da Vodafone, Mário Vaz, diz que não é viável prosseguir o investimento em fibra se a Anacom não impuser a abertura da rede da PT.
Não há maneira de convencer o accionista a “pôr mais dinheiro” em Portugal nas redes de nova geração se a Anacom não permitir acesso à rede da PT ou obrigar ao co-investimento, disse o presidente da Vodafone em entrevista ao PÚBLICO, no início da semana, e antes de ser conhecida a decisão do regulador sobre o acesso à fibra, divulgada na sexta-feira. Já depois da decisão, em resposta por escrito, Mário Vaz diz "manter expectativas" que o regulador mude de ideias, mas mantém em aberto a possibilidade de contestar a posição da Anacom, que também vem contrariar uma recomendação da Comissão Europeia.
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Não há maneira de convencer o accionista a “pôr mais dinheiro” em Portugal nas redes de nova geração se a Anacom não permitir acesso à rede da PT ou obrigar ao co-investimento, disse o presidente da Vodafone em entrevista ao PÚBLICO, no início da semana, e antes de ser conhecida a decisão do regulador sobre o acesso à fibra, divulgada na sexta-feira. Já depois da decisão, em resposta por escrito, Mário Vaz diz "manter expectativas" que o regulador mude de ideias, mas mantém em aberto a possibilidade de contestar a posição da Anacom, que também vem contrariar uma recomendação da Comissão Europeia.
O que achou da presidente do regulador, a Anacom, dizer que a Vodafone quer andar à boleia da PT na fibra sem “pagar a gasolina”?
Não gostei, porque não se trata de boleia nenhuma. Tem a ver com o que se quer para o país nas redes de nova geração. Ou damos prioridade à cobertura, acreditando que vai haver investimento em três milhões de casas por parte da PT em cima daquilo que já tem hoje, e que com isso se vai chegar aos cinco milhões de casas cobertas [ligadas a uma rede de nova geração], ou queremos de facto um país com muita fibra, mas de forma eficiente e que crie concorrência do lado do consumidor. Temos dito que queremos comprar metade do carro, porque não faz sentido comprarmos dois carros para fazer o mesmo percurso. O que faz sentido é que haja apenas uma rede partilhada por todos os operadores e que depois haja diferenciação na qualidade de serviço e concorrência para o consumidor.
Esse é o seu desejo, mas ninguém pode obrigar a PT a vender metade do carro…
Não obriga, mas deveria obrigar. Se o objectivo é ter um carro a chegar a qualquer lado, esse objectivo é atingido independentemente de quem o compra; se o objectivo é que seja utilizado pelo maior número de pessoas e que lhes traga vantagens, então deveria ser obrigado. A própria Anacom reconhece na sua decisão [sobre a não regulação da fibra] que fora das zonas competitivas não há incentivo económico para construir redes de nova geração. Mas há um operador que tem incentivos: a possibilidade de vir a substituir a tecnologia que lá tem hoje [o cobre] e de ficar sozinho nesses locais. É mais importante ter fibra a que o cliente terá acesso em condições de monopólio, ou ter fibra com concorrência? Se é este o desígnio nacional, e deveria ser o desígnio do regulador, então a PT deveria ser obrigada a criar condições de acesso ou de co-investimento.
A Anacom diz que a regulação do uso das condutas cria igualdade de condições de investimento. Para si não é argumento?
Nunca deveria ter sido argumento para que houvesse mais de uma rede de nova geração. Sempre fizemos grande publicidade da qualidade da regulação em Portugal e da regulação das condutas, porque facilita investimento em zonas economicamente viáveis. Por isso, o próprio regulador separa o país entre zonas competitivas, onde é viável investir porque há potencial de clientes que o justifique, e não competitivas, onde mesmo com regulação das condutas e postes não é viável mais do que uma rede.
Segundo o regulador, primeiro a Comissão queria a abertura da rede da PT nas zonas não competitivas e, num segundo momento, já só a recomendava para as zonas rurais. É apenas semântica?
É verdade que a recomendação deixa algum espaço ao regulador para rever as zonas consideradas não competitivas. Mas aí só estamos a falar de dimensão e de onde deve ser imposta a obrigação. O que nós queremos é que se clarifique que a obrigação deve existir e é vantajosa para o país. Há zonas onde temos quatro redes de nova geração, duas de cabo e duas de fibra, quando devíamos canalizar o investimento em benefício do consumidor.
Outro argumento é que a maior rede de nova geração nem é da PT, mas da Nos.
A rede de futura geração é a rede de fibra, que é aquela que indiscutivelmente tem potencial de crescimento. O regulador até pode dizer isso, mas o que neste momento é chamado a regular, ou não regular, é a fibra. As redes de cabo não são para aqui chamadas.
A Anacom não é obrigada a rever a decisão…
Mas era recomendável que o fizesse, no interesse do país e das suas competências. Aliás, o regulador diz que no futuro vai olhar para o tema, mas já poderá ser demasiado tarde.
Qual é o risco? Investirem sozinhos ou não investirem de todo?
É não investirmos. Porque não é economicamente viável fazê-lo e não sendo viável, embora o accionista esteja muito comprometido com o país e tenha investido centenas de milhões nos últimos anos, não o consigo convencer a pôr mais dinheiro aqui.
A decisão de não investir será a vossa única reacção?
A legislação prevê mecanismos para contestar a decisão do regulador. É uma prerrogativa nossa e também da Comissão Europeia.
Qual é o ponto de situação dos investimentos em fibra?
Fechamos o ano fiscal em Março e estamos muito próximos de terminar o investimento previsto. Que na verdade deveríamos ter parado logo após a decisão da PT de não fazer co-investimento, porque ele foi decidido nessa lógica de partilha. Mas vamos fechar o ano com cerca de 2,7 milhões de casas. Para já é o nosso plano; ou há uma decisão regulatória favorável ao investimento – e que terá de ser necessariamente pelo co-investimento ou pela obrigatoriedade de acesso – ou, com a decisão actual, ficaremos por aqui.
Quanto é que fica por realizar?
Estamos cerca de 100 mil casas abaixo. Há quatro anos e tínhamos 400 mil casas e desde então temos revisto sempre os nossos planos em alta.
De que montante estamos a falar?
Tínhamos anunciado125 milhões de euros durante o ano fiscal [Março a Março], mas vamos ficar abaixo, com menos 100 mil casas. Quando anunciamos o reforço do investimento, na altura tínhamos planos para investir 500 milhões, incluindo fibra e móvel, e depois esse investimento até foi largamente ultrapassado. E estes 125 milhões são em cima desses 500 milhões.
Como está esse processo sobre o acordo de co-investimento com a PT?
Uma das vertentes era chegar a 900 mil casas, para que cada uma das empresas desse acesso a 450 mil, o que aconteceu; a outra previa que o investimento futuro continuasse em regime de partilha. A leitura da PT foi a de que não deveria dar continuidade a essa vertente. O tema está em aberto e a regulação poderia ter incentivado a sua clarificação, mas não aconteceu.
O que vão fazer?
Há caminhos que ainda não abandonámos. A PT divulgou em simultâneo a intenção de investir em três milhões de casas e a de não dar continuidade ao acordo com a Vodafone e também anunciou uma suposta oferta grossista para essas casas. Mas o que apresentou foi uma proposta de acesso que desfez a nossa expectativa de que essa pudesse ser uma alternativa para o acordo. Essa via está longe de chegar a bom porto.
Houve negociação?
Em negociação parte-se do princípio que as coisas evoluem, não é o caso. A proposta devia ter sido para a Fundação Vodafone e não para a Vodafone, porque é uma subsidiação clara da rede.
Entende como provocação as declarações do presidente da PT quando diz que aceitaria uma proposta semelhante?
Só pode. Primeiro aquilo não é uma proposta comercial, porque não tem latitude para negociação. Se o objectivo era ganhar tempo, isso conseguiram. Culpa nossa, que continuámos a investir e não o deveríamos ter feito. Depois, quando dizem que esperam uma contraproposta nossa, isso é jogar com as palavras, porque a Vodafone não tem uma única casa onde não haja sobreposição da rede da PT. É querer criar um artifício e dizer “tenho uma proposta”, mas no fundo é oferecer algo que não interessa a ninguém.
O que diz o regulador, que apadrinhou o acordo?
A Anacom sabe desde a primeira hora que se trata de uma não oferta. Sabe qual tem sido a nossa abertura para fazer acordos de co-investimento e aceder à rede em condições comercialmente aceitáveis para competir em igualdade de circunstâncias. Apesar disso, o que vem dizer é: “Não regulo fora das zonas competitivas, porque ainda não há fibra”. A Anacom vai esperar para ver o que acontece, mas já sabemos qual é o resultado final; se alguém chega com fibra a uma zona onde mais ninguém tem acesso, os clientes só têm essa oferta. Se mais tarde houver medidas, será tarde porque esse operador terá todas as condições para impedir a entrada de terceiros.
Mantêm a via legal em aberto?
Mantemos todas as vias em aberto. Não posso adiantar quais porque o contrato é confidencial, mas prevê várias vias de resolução.
Porque que mudou a PT de ideias? Tem a ver com o novo accionista e uma nova maneira de fazer negócios?
A PT/Altice entendeu que deveria investir sozinha e ganhar vantagem competitiva. O resultado final será que ficará com o monopólio nessas zonas.
É mais difícil falar com esta PT?
Também não era fácil falar com a anterior. É sempre difícil falar com alguém que tem uma visão muito diferente da nossa.
Partilha com a Nos uma outra preocupação relativamente à PT, a Fibroglobal.
Sim. Nesse tema todos deveriam estar do mesmo lado, aliás, o estranho é a PT não estar do nosso lado e ser o único cliente desse operador. Houve um concurso público, com fundos europeus, cujo objectivo era garantir que em zonas do interior houvesse uma rede de geração a que todos pudessem ter acesso. A verdade é que nas zonas norte e sul a entidade que ganhou o concurso [DST Telecom] abriu a rede, enquanto a Fibroglobal mantém preços inviáveis para qualquer um, excepto a PT. É estranho e é estranho também que se demore tanto para resolver o problema.
Quem deve agir, o regulador ou a tutela?
Há aqui uma zona cinzenta que às vezes dá jeito. É verdade que a tutela terá dificuldade em agir sem informação, e essa informação deve vir do regulador, e também que o regulador até pode ter informação, mas não tem poderes para agir... Já fizemos chegar a nossa posição à tutela, que achamos que é quem deverá tomar uma posição.
Admitem fazer queixa a Bruxelas?
Sim, se não houver evolução. Foi-nos dito que estão a acompanhar a questão. Vamos dar algum tempo, até porque entretanto houve alteração relativamente a um dos accionistas [a Visabeira vendeu 95% e a PT mantém 5%].
Já sabe quem é o novo accionista da Fibroglobal?
Não, o que também é estranho.
Parece-lhe normal que o Governo também não saiba?
Não me parece normal que se possa fazer um concurso com dinheiros públicos e que o contrato não preveja a obrigatoriedade de informação, e até de prévia autorização, da alteração accionista. É muito estranho que ninguém saiba quem comprou as acções da Visabeira.
A presidente da Anacom, Fátima Barros, termina o mandato para o ano. Que balanço faz destes anos de regulação?
É só em Junho, vou esperar pelo fim. Mas para terminar melhor teria de rever a posição do acesso à fibra. Mantemos a expectativa que altere a sua posição para corrigir aquele que é, sem sombra de dúvida, o ponto mais baixo deste seu mandato. Queremos acreditar que ainda é possível, rever a nota que agora damos a esta administração e passar de Suficiente a Bom Menos. Há outra questão onde devia ter ido mais longe: na regulação das condutas e dos postes, Portugal tem sido uma referência, mas ainda há um problema para resolver, que é a titularidade das condutas.
Não é claro se pertencem à PT?
Não. A PT arroga-se no direito por ter comprado a rede fixa, mas depois vem a Infraestruturas de Portugal dizer que não, que as condutas são deles, e no final temos de pagar duas vezes. A somar a isto, os municípios também têm leituras diferentes sobre o tema. O regulador diz que isso é um tema do Governo, mas penso que poderíamos ter evoluído mais.
Já percebeu o que pode trazer a revisão da Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP)?
Não. E assusta-me, porque é uma decisão para o futuro que põe em causa os pressupostos de investimento já feitos com base em legislação existente. Preocupa-me que a intenção seja aumentar as receitas dos municípios de forma discricionária, porque a nova TMDP parece deixar em aberto que cada um possa determinar a taxa em função da passagem das condutas [hoje as taxas incidem sobre as receitas e não sobre a extensão da rede]. É curioso que nas telecomunicações não é permitida a transparência da existência da taxa; não a podemos mostrar ao cliente, ao contrário do que acontece na factura da energia, onde todas vêm discriminadas. Mas no final é sempre o consumidor que paga.
Também o preocupa que as taxas de espectro possam subir?
Há dois anos as taxas subiram de forma muito expressiva. Ou o Governo entende que os operadores são motores fundamentais da economia ou olha para o sector como fonte de receita, sabendo que no final serão os consumidores a pagar, ou porque há menos investimento, ou há aumento de preços. É bom recordar que há cinco anos tivemos as licenças do 4G e pagámos muitos milhões ao Estado. Com os objectivos europeus de estar na liderança do 5G em 2020, vamos ser obrigados a mais investimento.
Essa ambição europeia faz sentido?
Em 2020 parece-me um bocado excessivo. É verdade que estamos a assistir a um crescimento muito grande da ligação das coisas e da digitalização, é verdade também que a Europa perdeu terreno no 4G e que se quer ser competitiva face a outras geografias tem de estar na linha da frente. Um dos casos mais emblemáticos é o da indústria automóvel e dos carros sem condutor. Ainda é dos poucos casos em que a Europa é forte e se quer continuar na liderança, tem de investir muito e é importante que possamos estar preparados para o que vier a acontecer, assim a procura o justifique. Aliás, todos os nossos investimentos na rede móvel já previam uma evolução acelerada para o 5G. Nós nem conseguimos tirar partido económico do 3G, saltámos logo para o 4G, mas de facto o 4G está a explodir e é preciso criar serviços para poder pagá-lo. Agora, também pode repetir-se o que aconteceu no passado e termos de ir já para o 5G.