Wall-E e a bela adormecida
Não chega ter ideias nem Jennifer Lawrence, pedia-se apenas que Passageiros não os desbaratasse aos poucos numa sensação de déjà vu simpática mas insuficiente.
Quase apetece dizer que, se Passageiros não viesse empurrado pelo marketing da Columbia e se não tivesse duas estrelas reconhecidas nos papéis principais, estaríamos a olhar para ele como fita de “segunda classe”, falhada mas com pontos de interesse suficientes para a recomendarmos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Quase apetece dizer que, se Passageiros não viesse empurrado pelo marketing da Columbia e se não tivesse duas estrelas reconhecidas nos papéis principais, estaríamos a olhar para ele como fita de “segunda classe”, falhada mas com pontos de interesse suficientes para a recomendarmos.
Escrevemos “quase” porque, mesmo com o peso do marketing e a presença de Jennifer Lawrence e Chris Pratt, que são sempre (mais ela do que ele) recomendáveis, não passa de uma fita de “segunda classe”, falhada mas com pontos de interesse suficientes para a recomendarmos. Tem uma óptima ideia — no meio de 5000 passageiros em trânsito da Terra para um planeta colonizado, um deles acorda da animação suspensa 90 anos antes do prevista, sozinho numa nave em piloto automático onde toda a gente está a dormir. E explora de modo intrigante essa ideia de estar completamente sozinho no infinito, antes de a expandir com o acordar de um segundo passageiro, que abre toda uma série de outras portas igualmente intrigantes.
O problema é que ninguém parece ter aprendido nada com Gravidade e, em vez de entregar a premissa nas mãos de um cineasta capaz de fazer alguma coisa dela, Passageiros caiu nos braços do norueguês Morten Tyldum (O Jogo da Imitação), que dirige tudo com anónima eficácia escandinava, transparente ausência de empenho e o aroma do puro funcionalismo a cumprir o ponto. Não ajuda que, pelo meio da sumptuosa cenografia de Guy Hendrix Dyas, Passageiros tenha um aroma inconfundível de Wall-E feito com actores (nem falta a ideia da bela adormecida, da qual a Lawrence bem se afadiga a dar cabo). Ainda menos ajuda que, a partir de meio, o filme comece a descambar para a ficção científica mais tradicional e perca a graça, e a diferença, que ainda ia tendo. E há poucas coisas que irritem mais do que ver um filme com ideias e potencialidades deitá-las fora para dar ao espectador apenas mais do mesmo. Mas aquela primeira hora chega, e sobra, para não descartar Passageiros.