Um GPS para o populismo ocidental

A predominância atribuída aos factores económicos para explicar o triunfo de correntes demagógicas radicais pode ser facilmente errónea e enganadora.

1. Quem lê estas crónicas, sabe que ando há penosos anos a alertar – às vezes, tão insistentemente, que tenho receio de alarmar – para os riscos do populismo e da demagogia. Seja o populismo vindo da direita radical, seja o que advém da esquerda extremista, que são bem mais idênticos do que parecem e bem mais convergentes do que nos querem fazer crer.

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1. Quem lê estas crónicas, sabe que ando há penosos anos a alertar – às vezes, tão insistentemente, que tenho receio de alarmar – para os riscos do populismo e da demagogia. Seja o populismo vindo da direita radical, seja o que advém da esquerda extremista, que são bem mais idênticos do que parecem e bem mais convergentes do que nos querem fazer crer.

2. Nas vésperas do referendo inglês, ainda acalentava a esperança de que o populismo não levasse a melhor. Diante das presidenciais americanas, era já muito ténue a expectativa: era aquilo a que, como professor, costumo chamar a “esperança dos reprovados” – aquela nesga de sonho, fé e “fezada” de quem, depois de realizado um exame em que tudo correu pelo pior, só sucumbe no exacto momento em que é publicada a pauta que certifica o “chumbo”. A vitória de Trump não me apanhou, pois, de surpresa, embora tal como o "Brexit", me tenha deixado desprevenido. Creio, aliás, que deixou toda a gente desprevenida, aí incluída à cabeça a gente vencedora. A deriva populista, na sua versão político-mediático-empresarial, personificada em Berlusconi, já tinha feito curso na Itália, depois da derrocada institucional provocada pela “operação mãos limpas” e pelo temor da instauração da “república dos juízes”. E logo seguida, pela emergência possante da Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen, que, mais crua, não tinha ainda a sofisticação e a capacidade sedutora da versão Marine Le Pen. Também na Itália desses anos, não pode ser esquecida a investida da Liga Norte de Umberto Bossi (hoje igualmente mais refinada por Salvini) e a direita radical – assumidamente admiradora de Mussolini – de Gianfranco Fini (depois convertido aos valores da democracia liberal).

Tudo isto caldeado com o desvio nórdico para a direita radical, presente nos governos norueguês, suíço e finlandês e já antes presente, em formas diversas, nos governos austríaco, dinamarquês e holandês. Agora emerge com força surpreendente na Suécia e com laivos ameaçadores na Alemanha e na Bélgica.

3. Entretanto, fez o seu curso a deriva populista húngara, numa segunda incarnação de Viktor Orbán, que, nos idos de 2004, aparentava ser um pacato primeiro-ministro democrata-cristão. O sucesso do nacionalismo húngaro aparece ligado à circunstância de forças xenófobas de extrema-direita – mais propriamente, o Jobbik – terem votações expressivas e arrastarem, num duelo competitivo, os partidos centrais para uma agenda claramente mais à direita do que aquela que consta da sua matriz. Esta deriva tem correspondência directa noutros países de Visegrado – de resto, um fórum reabilitado, no ano passado, unicamente para fazer frente à sensata política de Merkel para refugiados e imigrantes. Num movimento em tudo similar, a “rival” Eslováquia tem um “robusto” governo socialista, comandado por Robert Fico, que nada fica a dever aos atropelos da agenda “iliberal” de Orbán. Aliás, de cada vez que algum socialista fala em Orbán, alguém tem de replicar com Fico, sob pena de estarmos a contemporizar novamente com uma retórica de “duplo padrão”. Por aquelas paragens, as coisas não ficam por aqui e tomam assomos de especial gravidade na Polónia. Aí eclodiu uma vez mais o “nacionalismo religioso e pseudo-católico”, pilotado nos bastidores pelo sobrevivente dos gémeos Kaczinsky. O cerco à liberdade de imprensa e à independência  judicial, aliado a uma tentação de exercer o poder com uma preferência confessional, são marcas fortes. E é preciso não esquecer que a República Checa tem um presidente que, para além de não nutrir nenhuma simpatia pró-europeia, deixa transpirar uma russofilia preocupante. Diga-se, aliás, já fora de Visegrado, que a Bulgária acaba de eleger um presidente admirador de Putin, se bem que, na Bulgária, a simpatia para com Moscovo seja um traço convencional da política externa, perfazendo aquilo a que chamo o “eixo ortodoxo” com a Sérvia e, menos ostensivamente, com a Grécia e Chipre. Os presidentes checo e búlgaro não dispõem de grandes poderes efectivos, mas a sua eleição detém um capital simbólico, que só pode fazer dobrar os sinos de alerta.

4. Grécia, onde diga-se de passagem, o Syriza da primeira incarnação – o “Syriza-Varoufakis” – venceu eleições com uma agenda tipicamente demagógica, a provar que a esquerda radical também bebe do fino. E na mesma linha, se construiu e faz o seu caminho o Podemos, fazendo jus à percepção de que no Norte e Leste da Europa os populismos vingam à direita e de que no Sul medram à esquerda. Tendência, aliás, exemplarmente confirmada pelo caso português, em que rivalizam duas formações populistas de esquerda radical: uma de tipo antigo “à anos 20”, o PCP, e outra de tipo novo, verdadeiro percursor do Syriza e, de algum modo, do Podemos, o Bloco de Esquerda.  

5. Prosseguindo a linha argumentativa que aqui se expendia na semana passada, este é um razoável guia da distribuição geográfica do populismo ocidental, uma espécie de mapa “geopopulista”. E olhando para os contextos geo-políticos do populismo, julgo que eles evidenciam que a predominância atribuída aos factores económicos para explicar o triunfo de correntes demagógicas radicais pode ser facilmente errónea e enganadora. Claro que todos os sistemas – incluindo os democráticos e os “para-federais” – se legitimam também pelos resultados. Era aquilo a que os medievos, com inteira precisão, denominavam a “legitimidade de exercício”. E a fragilidade dos resultados económicos pode potenciar a crise “nacional-proteccionista-populista” em franca ascensão. Mas insisto e aqui hei-de, como de há muitos anos a esta parte, volver: as razões profundas são outras e têm a ver com a “desterritorialização” do poder, com o divórcio entre os círculos eleitorais e os circuitos de decisão, com a profunda revolução tecnológica em curso e com a sua pulsão inexpugnável para a diabólica tentação da democracia directa.

 

SIM e NÃO

 

SIM. OCDE sobre reformas laborais. Os números do desemprego já mostravam efeitos de opções tomadas bem atrás. Mas tal como na saúde e na educação, agora no emprego o tempo dá razão ao anterior Governo.

 

NÃO. Assassinato do embaixador russo em Ancara. Agora que parecia haver um ambíguo desanuviamento entre o novo czar e o novo sultão, voltam as nuvens negras. O mundo está definitivamente perigoso. 

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