Governo não revela contornos do acordo para lesados do BES
Garantido pagamento de 286 milhões, de um total de 485 milhões reclamados. Costa assegura que custos não recaem sobre contribuintes mas não explica como.
O primeiro-ministro, António Costa, deu nesta segunda-feira como fechada a solução que vai minimizar as perdas dos clientes que compraram papel comercial do Grupo Espírito Santo (GES) aos balcões do BES, mas, por razões que não foram explicadas, os principais elementos da proposta não foram revelados na apresentação do acordo, ontem em S. Bento. De informação concreta, o advogado Diogo Lacerda Machado, representante do Governo nas negociações, apenas adiantou que serão pagos 286 milhões de euros, num total de 485 milhões reclamados.
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O primeiro-ministro, António Costa, deu nesta segunda-feira como fechada a solução que vai minimizar as perdas dos clientes que compraram papel comercial do Grupo Espírito Santo (GES) aos balcões do BES, mas, por razões que não foram explicadas, os principais elementos da proposta não foram revelados na apresentação do acordo, ontem em S. Bento. De informação concreta, o advogado Diogo Lacerda Machado, representante do Governo nas negociações, apenas adiantou que serão pagos 286 milhões de euros, num total de 485 milhões reclamados.
Sobre as percentagens a recuperar pelos investidores em função do valor aplicado e sobre a forma como será operacionalizada a proposta e quando, nem uma palavra. Apenas foi dada a garantia por Costa de que “a solução não recai sobre os contribuintes”, mas o primeiro-ministro não explicou de que forma é que isso vai ser possível.
A cerimónia acabou sem tempo para perguntas dos jornalistas e a informação foi tão parca que o Presidente da República se escusou, pouco depois, a comentar a proposta. "Para já, não vou dizer nada, porque ainda não percebi exactamente qual é o esquema", declarou Marcelo Rebelo de Sousa, citado pela Lusa.
Aguardada com muita expectativa pelos cerca de 2000 clientes lesados e as respectivas famílias, que há mais de dois anos esperam por uma garantia oficial para reaver parte das poupanças, “congeladas” desde o colapso do grupo Espírito Santo, a cerimónia resumiu-se praticamente a anunciar que há acordo, a metáforas e a elogios de parte a parte.
Ricardo Ângelo, presidente da Associação dos Indignados e Enganados do Papel Comercial (AIEPC) destacou a intervenção, nas negociações, do mediador, amigo e representante de António Costa, o advogado Diogo Lacerda Machado, a quem louvou a capacidade de “criar consenso entre o rato e o gato”.
António Costa, que chamou a si o dossier dos lesados do BES, recorreu a uma metáfora que aprendeu com o professor de Direito Jorge Leite, que lhe ensinara como é "impossível" endireitar a sombra de uma vara torta. “Não endireitámos a vara, nem a sombra, mas cumprimos o nosso dever”, admitiu.
Do representante dos lesados não faltaram elogios ao primeiro-ministro, ao governador do Banco de Portugal, e a Carlos Tavares, ex-presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), entidade agora liderada por Gabriela Dias, todos eles presentes na sessão em S. Bento.
Ao PÚBLICO, Ricardo Ângelo garantiu que os lesados ouviram o que queriam ouvir antes do Natal: a garantia de pagamento dos 286 milhões de euros, 58,9% do total, que permite aos clientes que aplicaram até 500 mil euros recuperar 75% desse valor e 50% aos que aplicaram mais do que 500 mil euros.
Nem todos são abrangidos
Diogo Lacerda Machado garantiu que a solução pretende “dar resposta aos clientes efectivamente lesados”. O PÚBLICO apurou que estão abrangidos apenas os investidores não-qualificados, que compraram papel comercial aos balcões do BES em Portugal Continental, através do Banco BEST, e do BES Açores. Quem comprou papel comercial depois da resolução do BES, a 3 de Agosto, e através do serviço private (grandes clientes), incluindo através da sucursal da Madeira, está excluído da solução.
O representa do Governo fez ainda questão de salientar que a solução assenta na resolução 67/2015 da Assembleia da República, e nas recomendações da Comissão de Inquérito ao BES, o que, apurou o PÚBLICO, visa circunscrever a solução aos clientes de retalho do papel comercial, emitidos pelo grupo GES, mas comercializados como um produto do BES. Assim, o objectivo é travar, nos tribunais, um tratamento idêntico para outros lesados, incluindo emigrantes.
Foi ainda possível apurar que os passos seguintes começaram pela constituição e montagem do fundo ou veículo que vai permitir a operacionalização da solução, com garantia do Estado. No máximo até 31 de Março será entregue a proposta de adesão aos clientes, que terão 30 dias para a aceitarem ou não. A solução avança se a adesão for confirmada por 50% mais um dos clientes ou do montante. É ainda expectável que até 31 de Maio seja desbloqueada a primeira tranche, sendo o restante pago até 2019.
A forma como será prestada a garantia do Estado, se será directa ou indirecta (através de contragarantias dos bancos) só será definida depois do primeiro trimestre, em função da margem de manobra do Governo para garantir que não afectará o défice e da abertura do BCE para aceitar o envolvimento das instituições financeira, apurou o PÚBLICO junto de fonte conhecedora do processo.
Tratamento dos emigrantes
O BES, através das sucursais no estrangeiro, comercializou cinco produtos financeiros, como sendo de capital garantido, junto de milhares de emigrantes portugueses. Três desses produtos (o Poupança Plus, o Top Renda e o Euro Aforro, geridos sob a forma de veículos de investimento autónomos) aplicaram o dinheiro dos clientes em dívida sénior (obrigações) do BES.
O Novo Banco, quando ainda era liderado por Stock da Cunha, assumiu a responsabilidade de encontrar uma solução para estes três produtos, o que já foi concretizado. A proposta comercial apresentada aos cerca de 7000 detentores que aplicaram 750 milhões de euros no Poupança Plus, no Top Renda e no EuroAforro permitirá a recuperação da quase totalidade do capital investido, num prazo de, pelo menos, seis anos e com algumas limitações ao nível da disponibilidade imediato do dinheiro.
Apesar dos apelos da associação criada, o Movimento dos Emigrantes Lesados, que defendia o recurso aos tribunais para garantir o pagamento imediato da totalidade dos montantes, a proposta foi aceite por 80% dos emigrantes. A forte adesão permitiu ao Novo Banco avançar com a liquidação dos três veículos e, no início deste ano, já foi disponibilizada a primeira tranche acordada.
Entretanto, os perto de 2000 emigrantes que não aceitaram a solução têm feito vários apelos ao Governo e até ao Presidente, quando esteve em Paris, nas comemorações do 10 de Junho, para que “forcem” o Novo Banco a negociar uma nova proposta. O representante do Governo no grupo de trabalho dos lesados do papel comercial do BES, Diogo Lacerda Machado, também tem este dossier em mãos, mas ainda não existe a garantia de uma solução.
Para os restantes dois produtos – o Euro Aforro 10 e o EG Premium – subscritos por algumas centenas de clientes, num montante que ascende a 80 milhões, o banco agora liderado por António Ramalho ainda se encontra a analisar uma eventual solução. Um dos veículos terá investido o dinheiro dos clientes em dívida do GES, o que levanta dúvidas sobre o pagamento por parte do Novo Banco. O outro veículo terá investido em dívida do GES e em dívida sénior do BES (como acontece com os outros três produtos incluídos no acordo conseguido), estando aberta a possibilidade de ser parcialmente assumida pelo Novo Banco.