Laura Ferreira dos Santos, fundadora do movimento Direito a Morrer com Dignidade, morreu nesta sexta-feira, aos 57 anos, na sua casa, em Braga. “Foi, em Portugal, pioneira da defesa da despenalização da eutanásia, dentro e fora da universidade, tendo contribuído para a sua discussão de forma elevada, conhecedora, empenhada e convicta, quer na comunicação social, quer na sociedade”, lê-se num comunicado deste sábado, do movimento que ajudou a criar.

Laura Ferreira dos Santos, fundadora do movimento Direito a Morrer com Dignidade, morreu nesta sexta-feira, aos 57 anos, na sua casa, em Braga. “Foi, em Portugal, pioneira da defesa da despenalização da eutanásia, dentro e fora da universidade, tendo contribuído para a sua discussão de forma elevada, conhecedora, empenhada e convicta, quer na comunicação social, quer na sociedade”, lê-se num comunicado deste sábado, do movimento que ajudou a criar.

Doutorada em Filosofia da Educação, professora aposentada da Universidade do Minho, foi autora, entre outros livros, de “Ajudas-me a morrer? A morte assistida na cultura ocidental do século XXI” e “Testamento Vital, o que é? Como elaborá-lo?” Escrevia regularmente artigos de opinião para o PÚBLICO.

Em Novembro do ano passado, contava como nascera nesse mesmo mês o movimento. “Acha que tenho o direito legal de me matar? Queria terminar com a minha vida, sabe onde posso obter o produto?” — eram deste tipo muitas perguntas que chegavam havia muito tempo ao seu e-mail, relatou. E essa foi uma das razões para aceitar o desafio de lançar a base para a criação de um movimento cívico para a despenalização e regulamentação da morte assistida em Portugal.

João Ribeiro Santos, médico nefrologista, falecido a 4 de Setembro deste ano, com 72 anos, já lhe tinha proposto isso mesmo em 2009, quando ainda era director do Serviço de Nefrologia do Hospital Curry Cabral. “Enviou-me uma carta muito simpática em que me desafiava a encabeçar um movimento cívico que visasse lutar pela despenalização da morte assistida. Escrevia: ‘Por motivos éticos, pessoais e profissionais (na nefrologia lida-se diariamente com a progressiva degradação física, com o sofrimento e com a morte), a morte assistida faz parte, desde há muitos anos, da minha área de interesse e discussão.’ Tinha lido o meu livro ‘Ajudas-me a morrer?’, num período de férias e doença, estivera presente no seu lançamento em Lisboa, e ficara convencido de que eu era a personagem indicada para encabeçar esse Movimento”, contou Laura Ferreira dos Santos num dos seus muitos artigos de opinião no PÚBLICO (28 de Setembro de 2016).

“Em Novembro de 2014, antes de um Prós e Contras sobre a eutanásia, o João e eu jantámos, tendo-me lançado outra vez o desafio. Foi tão persuasivo e empático que não consegui dar-lhe mais uma resposta negativa. Nessa altura já eu fora obrigada a pedir a aposentação por agravamento da saúde. Mas tivemos de esperar por Novembro de 2015 para lançar o Movimento numa reunião no Porto”, contou Laura Ferreira dos Santos.

Ao convite para aderir à reunião para definir o embrião do movimento, convocada precisamente por João Ribeiro Santos, disseram que sim António-Pedro Vasconcelos, Júlio Machado Vaz, João Semedo, Alexandre Quintanilha, Francisco Louçã e José Júdice, entre outras personalidades conhecidas.

“Nessa reunião, houve uma única intervenção vivamente aplaudida, penso que por todos: ‘Se os mortos falassem, há muito que a morte assistida estaria despenalizada.’ A frase encontrava-se dentro de uma intervenção alargada de João Semedo, mas creio que foi a frase em particular que mereceu o aplauso imediato”, contou há algumas semanas.

Do manifesto do movimento nascido no ano passado surgiu uma petição “pelo direito a morrer com dignidade”, que alcançou mais de oito mil assinaturas, mais do dobro das quatro mil necessárias para levar a discussão a o Parlamento.

O relatório da petição foi elaborado pelo deputado do BE José Manuel Pureza que, no início de Maio deste ano, se ofereceu para a tarefa. O deputado tinha sido, aliás, um dos subscritores do manifesto. Relatório e petição seguirão agora para discussão em plenário. Só não se sabe ainda quando isso acontecerá.

À Visão, em Fevereiro, a professora explicava: “Tive um cancro da mama em 2001, uma recidiva em 2007 e desde 2011 que tenho metástases ósseas. Há pouco tempo apareceu-me uma grande metástase na coluna, que aumentou muito e me dá dores permanentes e insuportáveis. Fui operada para tentar atenuar estas dores terríveis, mas não resultou. Nada parece resultar.” E rematava: “Só peço o direito a não morrer aos bocadinhos.”

Henrique Barreto Nunes, que durante três décadas foi director da Biblioteca Pública de Braga, era amigo da família e privou com Laura Ferreira dos Santos. Acompanhou “de muito perto o seu sofrimento, que exprimia de uma forma completamente evidente”. Descreve Laura Ferreira dos Santos como uma pessoa “exigente e rigorosa” que sempre sentiu dificuldade em encontrar “quem a ouvisse e quem entendesse” aquilo por que lutava.

Barreto Nunes, que não é religioso, sublinha uma das principais tensões na vida de Laura Ferreira dos Santos: uma católica que defendia o direito à morte assistida, contrariamente à linha oficial da Igreja. “A partir de certa altura da sua vida viveu com essa perturbação”, recorda, referindo a obra “Diário de uma mulher católica a caminho da descrença” como um dos principais contributos que esta antiga professora da Universidade do Minho deixou.