"O grande erro do Syriza foi achar que bastava ter a razão moral"

O especialista em populismo Cas Mudde acabou de publicar um livro sobre o Syriza. Numa entrevista comenta a actual crise e as lições a tirar da experiência grega.

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Miguel Manso

O professor de ciência política da Universidade da Georgia, que tem estudado extremismos e populismos, publicou um livro sobre a Grécia da crise: Syriza: the Failure of the Populist Promise, em que critica o uso de uma retórica moral como argumento de negociação pelo partido mas relativiza o falhanço governativo do Syriza, lembrando que são raros os casos de sucesso de novos partidos quando chegam ao poder.

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O professor de ciência política da Universidade da Georgia, que tem estudado extremismos e populismos, publicou um livro sobre a Grécia da crise: Syriza: the Failure of the Populist Promise, em que critica o uso de uma retórica moral como argumento de negociação pelo partido mas relativiza o falhanço governativo do Syriza, lembrando que são raros os casos de sucesso de novos partidos quando chegam ao poder.

Como é que o Syriza mudou desde que está no Governo?
A característica mais importante do Syriza é a oposição ao memorando e austeridade em combinação com uma política socio-económica de esquerda: foi o que lhes deu relevância e os levou a ganhar as eleições.

Mas ao aceitarem [as medidas de austeridade], não podem fazer realmente nenhuma das políticas que queriam. O discurso mudou para argumentar que estão a ser sabotados, pela direita, pró-austeridade, pró-União Europeia, etc.. Agora o discurso é mais orientado para dentro: tentam reformar o sistema de educação, media, judiciário, etc., sempre a argumentar que estes não funcionam democraticamente mas são usados pela velha elite para manter o poder e subverter a democracia.

Mas ironicamente não estão a usar reformas para também apoiar o seu poder?
Como não têm conseguido obter o que querem, têm acabado por chegar a um compromisso com os velhos poderes. Os media gregos, por exemplo, são controlados pelos oligarcas, e em vez de os retirar das mãos dos oligarcas, como disseram sempre que queriam, acabaram por fazer um novo acordo com os oligarcas. Não mudam o sistema, substituem quem está no poder no sistema corrupto.

Descreve o Syriza como populista com uma vertente nacionalista - isso é em parte pelo modo como o partido caracteriza a oposição?
Sim, isso é em parte populista no sentido em que fala de uma espécie de divisão moral entre o povo e a elite, em que a elite é acusada de servir Bruxelas e não o povo grego, e aí há um pouco de nacionalismo, mas a distinção não é de etnia e sim de moral – é mais populista do que nacionalista.

O que se pode aprender com a experiência de Governo do Syriza?
Não se deve generalizar muito porque o caso grego é muito particular. Mas quase todos os partidos novos no Governo falham, por exemplo, quase todos os partidos verdes que foram para o Governo falharam redondamente nas eleições seguintes. Muitas vezes faltam-lhes capacidades, ligações, entram num Estado relativamente hostil, onde a maioria dos cargos são ocupados por pessoas que foram nomeadas ou que trabalharam sempre para os partidos anteriormente no poder, e isso aplica-se ainda mais no caso dos populistas, que se opõem a todos os partidos anteriores. 

Mas mesmo que o Syriza tivesse sido competente, teria falhado, porque o que prometeu nunca foi uma opção realista. E a UE não tem sido clara sobre quase nada na última década, mas foi muito clara sobre isto: sempre disse que a escolha era entre o memorando ou a zona euro.

O que mostrou, no fundo, é que partidos sem experiência ou um programa claro não vão conseguir fazer nada. E isso não é o caso para todos os populistas – Viktor Orbán é um caso de alguém que consegue fazer muito.

E nas negociações com a União Europeia?
Uma das grandes lições é que o que fizeram mesmo mal – e nesse sentido é uma lição que o [partido anti-austeridade espanhol] Podemos está finalmente a aprender: o Syriza partiu do princípio de que tinha a razão moral, que isso basta, e que os outros vão perceber. Por isso não fizeram coligações com outros que não aceitassem aquilo em que acreditavam.

Na altura em que tiveram de negociar com a UE, estavam sozinhos. E obviamente, não resultou. Penso que o Podemos, que tem uma ideologia semelhante em termos socio-económicos, tem contactado partidos sociais-democratas noutros países.

Como vê a actual crise na Grécia e a possibilidade de novas eleições?
Penso que é mais uma ameaça impensada à União Europeia e a outros nas negociações. Porque eleições podem trazer instabilidade, e Tsipras aposta que os credores não queiram instabilidade, mas é muito claro que se houver eleições a Nova Democracia vai ganhar, e este é o parceiro favorito da União Europeia e das outras organizações internacionais.

Tsipras quer mostrar que ainda é relevante quando já desistiu de quase tudo. Isto mostra desespero e falta de controlo. O que quer que aconteça, é muito claro que o seu Governo é fraco. E na Grécia, e fora também, isso é um problema. Porque querem reformas, e ver futuro, e de momento é claro que o Syriza não vai estar no Governo depois da próxima eleição, seja ela quando for.