Entre o cinema e as artes, ninguém pára Salomé Lamas
Uma instalação de 2015 remontada em Lisboa, uma nova curta comissariada no Porto, e tudo enquanto Eldorado XXI continua a fazer carreira por esse mundo fora e os projectos se acumulam. Entre o cinema e as artes, ninguém pára Salomé Lamas.
Salomé Lamas não pára quieta. Encontramo-la num intervalo da sua presença no Porto/Post/Doc, onde veio acompanhar a estreia portuguesa de Eldorado XXI, filme que estreou no Forum de Berlim e já passou por dúzia e meia de festivais (entre os quais a Viennale e o nova-iorquino New Directors/New Films), e que acabaria por vencer o grande prémio do certame portuense. Apanhamo-la nos últimos preparativos para dois projectos diferentes mostrados ao público este fim-de-semana, enquanto nos bastidores continua a equilibrar mais meia-dúzia de trabalhos em diferentes fases de produção.
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Salomé Lamas não pára quieta. Encontramo-la num intervalo da sua presença no Porto/Post/Doc, onde veio acompanhar a estreia portuguesa de Eldorado XXI, filme que estreou no Forum de Berlim e já passou por dúzia e meia de festivais (entre os quais a Viennale e o nova-iorquino New Directors/New Films), e que acabaria por vencer o grande prémio do certame portuense. Apanhamo-la nos últimos preparativos para dois projectos diferentes mostrados ao público este fim-de-semana, enquanto nos bastidores continua a equilibrar mais meia-dúzia de trabalhos em diferentes fases de produção.
Na Galeria Miguel Nabinho, em Lisboa, inaugura hoje (sexta-feira, 16, 22h) Mount Ananea (5853), instalação que criou para Serralves em 2015, com a apresentação de uma performance audiovisual criada com Filipe Felizardo para o Filmadrid (Norte/North: Trial by Fire), ao mesmo tempo que lança o livro de artista Parafiction – Selected Works 2010-2012 e que o DVD da sua primeira longa-metragem, Terra de Ninguém, está nas lojas. Entretanto, o Auditório Isabel Alves Costa do Rivoli, no Porto, recebe no domingo (18, 16h) a estreia de Ubi Sunt, comissão do projecto Cultura em Expansão do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal do Porto. São a “ponta do icebergue” de um 2016 tão trabalhoso quanto satisfatório. Salomé diz, sorrindo, que o “equilíbrio” entre a vida pessoal e a vida profissional não foi gerido de forma ideal este ano. Mas os seus olhos iluminam-se ao descrever os vários projectos e o modo como todos eles continuam a desafiar as catalogações do seu trabalho. Cineasta? Documentarista? Experimentalista? Artista multimedia? Tudo isso, sim, e mais, ao mesmo tempo, sempre.
Neste início de Dezembro, então, Salomé Lamas (n. 1987) divide-se entre a “re-montagem” de Mount Ananea (5853) e a finalização da pós-produção de Ubi Sunt. Mount Ananea era, originalmente, um dos três elementos que compunham Paraficção, exposição que inaugurou a Sala de Projectos de Serralves entre Fevereiro e Maio de 2015, e que nasceu do convite do curador João Ribas para exibir Terra de Ninguém em ambiente de museu. “Na verdade,” ri-se Salomé, “só agora é que vou ver Mount Ananea pela primeira vez” - quando a instalação foi inaugurada, em Abril de 2015, a realizadora estava já a rodar Eldorado XXI no Peru, e a sua montagem foi agora reconfigurada para o espaço muito diferente da Galeria Miguel Nabinho.
Mount Ananea é definido pela própria como um “rascunho” do longo plano que abre Eldorado XXI, um esboço do filme que então ainda não existia, nascido das repérages feitas em La Compuerta, perto da aldeia peruana de La Rinconada y Cerro Lunar, a 5800 metros de altitude. É um plano de 20 minutos montado em loop sem som, ao qual a disposição do espaço anexa dois gira-discos e dois pares de auscultadores, permitindo ao espectador isolar-se do/no espaço e escolher a seu gosto a ilustração sonora das imagens. De um lado, uma improvisação original de Norberto Lobo e João Lobo inspirada pela guitarra andina de Raul García Zarate – “o Norberto pediu-me para trazer do Perú o máximo de discos dele que eu conseguisse encontrar, e cheguei a esgotar o stock de um alfarrabista!”. Do outro, uma “colagem sonora” feita pela realizadora e pelo sound designer Bruno Martins de sons registados no local, transmissões de rádio, música e o que mais aparecesse. Cada peça sonora está prensada num lado de um vinil de edição limitada colocado nos gira-discos; o dispositivo repete-se na montagem de Lisboa, que ficará patente durante três meses, período durante o qual Eldorado XXI deverá ver estreia comercial nas salas portuguesas.
Film noir portuense
Ainda Mount Ananea acaba de inaugurar, e já Salomé segue para o Porto, onde apresenta em estreia Ubi Sunt, curta-metragem de 20 minutos integrada no terceiro ano do projecto Cultura em Expansão do Pelouro da Cultura portuense. Procurando inscrever-se dentro das exigências estritas do projecto – que envolve a colaboração entre artistas e residentes dos bairros sociais do Porto - Salomé animou workshops de video com jovens do Centro Educativo de Santo António, co-dirigidos com Mónica Lima. Por entre as suas múltiplas viagens de 2016, a partir desse encontro e do material rodado com eles, Ubi Sunt explora a ideia de mortalidade já presente na própria origem latina da expressão – que se pode traduzir por “onde estão” e se refere àqueles que “vieram antes de nós”.
Uma ideia de “indecisão, de transitoriedade da vida, de crime e castigo” ancoradas nas próprias experiências dos jovens do Centro, às quais a artista sobrepôs um verniz de “film noir portuense, rodado no hotel Miradouro”, com uma história paralela onde uma mulher (Ana Moreira) procura contratar um criminoso (Valdemar Santos). “Este é o Ubi Sunt 1,” diz Salomé a propósito da curta, explicando que haverá um Ubi Sunt 2 e um Ubi Sunt 3, “que são duas performances criadas pelo Christoph Both-Asmus, que foi meu colega de curso e com quem já colaborei na Torre”. Essas duas apresentações, One Life to Live e uma criação inédita intitulada Requiem, subirão ao palco do Rivoli apenas em 2017.
2017 que vai trazer muitos mais riscos. Haverá a primeira abordagem da artista ao cinema narrativo de ficção, a curta Coup de Grâce; Fatamorgana, um novo projecto de longa-metragem inspirado pelo Hall of Fame de Beirute, que está neste momento a percorrer os canais de financiamento, e que poderá, ou não, estar ligado a uma produção de palco que está a preparar em co-produção entre o CCB e o Centro Cultural Vila Flor de Guimarães; há Extinction, o work-in-progress resultante da sua viagem à Transdnístria; há a estreia em sala de Eldorado XXI, que poderá, ou não, ser acompanhada por uma retrospectiva do seu trabalho em formato curto.
Salomé Lamas pode dizer que quer equilibrar melhor a sua vida pessoal e a sua vida profissional, mas com uma agenda como esta, temos as nossas dúvidas que consiga parar quieta. Mas será que ela o quer?