Água mais cara em municípios do interior de Portugal suscita críticas à ONU
Perita apela ao Governo português “que pare imediatamente com demolições e despejos que tornam as pessoas em sem-abrigo”.
Depois de dez dias de visita a Portugal, dois peritos da Organização das Nações Unidas (ONU) constataram que “o impacto das medidas de austeridade no país é real” e teve efeitos no direito ao acesso a habitação condigna, a serviços de água e saneamento. De entre múltiplos problemas apontados, referiu-se que 5% da população não tem acesso a água canalizada e que é em municípios mais pobres do interior que ela é mais cara.
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Depois de dez dias de visita a Portugal, dois peritos da Organização das Nações Unidas (ONU) constataram que “o impacto das medidas de austeridade no país é real” e teve efeitos no direito ao acesso a habitação condigna, a serviços de água e saneamento. De entre múltiplos problemas apontados, referiu-se que 5% da população não tem acesso a água canalizada e que é em municípios mais pobres do interior que ela é mais cara.
Léo Heller, o relator para os direitos humanos relativos ao acesso à água potável e saneamento básico afirmou, nesta terça-feira em conferência de imprensa, em Lisboa, que encontrou famílias portuguesas em que a conta da água representa mais de 10% dos rendimentos do agregado familiar. “Este nível de esforço é elevadíssimo para as pessoas desempregadas, reformadas e sem rendimentos.”
“Paradoxalmente”, apontou no seu relatório, são as pessoas que vivem em municípios mais pequenos e em zonas onde o rendimento é mais baixo que pagam tarifas mais elevadas, face ao litoral e a cidades como Lisboa e Porto. “A diferença das tarifas de água entre municípios pode ser de 20 vezes”, disse. Léo Heller apontou para a necessidade de se “garantir uma tarifa harmonizada em todo o país”.
Heller disse ainda que no discurso oficial está muito presente “o princípio da sustentabilidade financeira dos serviços, que também é importante, mas não deve prejudicar o princípio da acessibilidade". "É possível conciliar estes dois princípios”, garante. Criticou ainda o facto de haver cortes de abastecimento de água por falta de capacidade económica, “que devem ser prontamente tratados, uma vez que constituem uma violação dos direitos humanos".
Elogiou a decisão de tornar o sistema de tarifa social automático, em vez de ter de ser requerido. Isto porque a existência de tarifa social, que os municípios não são legalmente obrigados a colocar em prática, e a familiar são actualmente facultativas “e não têm muita procura”.
Segundo números fornecidos pelas autoridades portuguesas aos peritos, 5% dos habitantes de Portugal não tem acesso a água canalizada e 20% não tem acesso à rede de esgotos. Mas esta média esconde problemas de acesso específicos. “Quem são estas pessoas? Que medidas existem para as defender?”, perguntou Heller. Recomendou que haja estudos específicos para conhecer este problema por níveis de rendimento, por estatuto migratórios, por grupos étnicos e tendo em conta outras fontes de discriminação.
Portugal precisa de “uma nova lei sobre os direitos humanos à água e ao saneamento”. É preciso que este direito esteja explícito na lei nacional, para garantir que indivíduos que vítimas de violação destes seus direitos os possam fazer valer nos tribunais, exigindo reparações legais.
Heller afirmou ainda que é preciso “superar o legado das medidas de austeridade”, que tiveram “um impacto real”. O perito disse que “ficou surpreendido com algumas situações que encontrou". "Fiquei muito chocado com a visita a Loures [um dos locais visitados foi o bairro da Torre]. São situações que não imaginava encontrar em Portugal. Fiz três visitas a países mais pobres que Portugal e não me lembro de encontrar situação tão dramática."
A advogada canadiana Leilani Farha, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU), que esteve em Portugal com a missão de avaliar questões relacionadas com o direito a uma habitação digna, não se moderou nas críticas. “Um flagelo vergonhoso”, foi a expressão que escreveu no seu relatório preliminar sobre os bairros de habitação informal, como por exemplo em Loures, onde ciganos e pessoas de origem africana vivem. “Algumas destas comunidades estão a viver sem electricidade. As casas estão no meio do lixo, são sujas, expostas à chuva e ao vento.”
No caso das demolições do bairro 6 de Maio (na Amadora) “há pessoas que estão a ser postas na rua, nomeadamente idosos e mães solteiras”. A perita da ONU foi enfática ao apelar ao Governo português “que pare imediatamente com demolições e despejos que resultam em tornar as pessoas em sem-abrigo”. Leilani Farha lembrou a Portugal que tem obrigações internacionais, nomeadamente a de deixar de ter pessoas sem-abrigo até 2030.
A advogada lembrou que apenas 2% das habitações para arrendamento são habitações sociais” e que este é “um dos valores mais baixos na Europa”, havendo pessoas em listas de espera que podem ir de dois a sete anos.