Há 1700 doentes tratados com fármacos que custam 60 milhões aos hospitais
Cada vez mais doentes sobrevivem através de medicamentos inovadores que o SNS não comparticipa. A maior parte é para tratamentos na área da oncologia, mas o processo acaba por gerar desigualdades e muita despesa para os hospitais.
Entre Janeiro e Novembro houve 1678 doentes que só puderam ser tratados com medicamentos inovadores nos hospitais portugueses mediante um mecanismo conhecido como “autorização de utilização excepcional” (AUE). Esta autorização serve para dar resposta aos casos em que os fármacos estão no mercado, mas o Serviço Nacional de Saúde ainda não decidiu se os vai ou não comparticipar.
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Entre Janeiro e Novembro houve 1678 doentes que só puderam ser tratados com medicamentos inovadores nos hospitais portugueses mediante um mecanismo conhecido como “autorização de utilização excepcional” (AUE). Esta autorização serve para dar resposta aos casos em que os fármacos estão no mercado, mas o Serviço Nacional de Saúde ainda não decidiu se os vai ou não comparticipar.
O problema é que em Portugal as autorizações acabam por ser utilizadas durante longos períodos, já que a decisão sobre as comparticipações chega a demorar dois anos. Como os hospitais não têm todos os mesmos critérios na hora de solicitar estas autorizações, o processo acaba por gerar desigualdades entre doentes e muita despesa para os hospitais. O exemplo mais mediático até agora foi o dos novos tratamentos para a hepatite C.
A demora na avaliação dos medicamentos e a chegada de cada vez mais fármacos ao mercado tem-se espelhado no aumento das AUE. Em 2015 foram concedidas um total de 1485 autorizações excepcionais e neste ano, só até dia 17 de Novembro, o valor já estava próximo das 1700, indicam os dados enviados ao PÚBLICO pela Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed).
“Os utentes terão sempre acesso aos medicamentos de que necessitam e as AUE serão aprovadas enquanto as avaliações estiverem em curso. Estamos a fazer uma melhor gestão dos recursos e a aumentar a acessibilidade aos medicamentos inovadores”, garantiu ao PÚBLICO o organismo, em resposta escrita.
O Infarmed garante também que, com as avaliações que estão quase a terminar, será possível reduzir bastante estes valores. “Neste momento existem cerca de 40 novos medicamentos com financiamento aprovado ou em fase final de aprovação. Além destes 40 medicamentos espera-se a concretização de mais dez processos de medicamentos inovadores até ao final do ano”, esclarece a autoridade. Segundo a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), há pelo menos mais 15 inovadores para além dos processos que o Infarmed prevê terminar.
“Com estas aprovações concedidas, será possível uma redução de 34% nesse total, correspondente a 578 AUE”, reforça o regulador do medicamento, assegurando que, “relativamente aos prazos de conclusão dos processos dos medicamentos inovadores”, estão a “caminhar para a resolução dos atrasos, sendo uma das principais medidas a constituição da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde (CATS)”.
Fármacos de fim de linha
Esta comissão recentemente criada conta com 100 peritos e vai ter mais 20 profissionais para agilizar os processos — que, por lei, devem ser concluídos em 75 dias. A maior parte destes medicamentos utilizados através das AUE são para tratamentos na área da oncologia, que reúne o “maior número de aprovações”. Mas também há fármacos para áreas como o VIH, diabetes, hepatite C, hemofilia e doenças respiratórias. Ou seja, quase sempre são medicamentos de fim de linha, em que os doentes já tentaram todas as outras terapêuticas, sem sucesso, e resta-lhes uma última hipótese.
Há um mês, durante um congresso organizado pela Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, o presidente do Infarmed, Henrique Luz Rodrigues, anunciou que tem como objectivo terminar com as AUE que são dadas devido a atrasos nas aprovações das comparticipações. “Se os medicamentos forem aprovados atempadamente, as AUE não têm razão de ser”, frisou.
Um dos problemas das AUE é que acabam por gerar uma despesa sem controlo para os hospitais, que durante o período excepcional têm de pagar os medicamentos de acordo com o preço imposto pela farmacêutica — que normalmente é superior àquele a que o Infarmed chega após a análise da comparticipação. O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, avançou no Parlamento, no início de Novembro, que o valor das autorizações ascendia aos 60 milhões de euros anuais.
Por isso, a tutela já propôs um acordo com a indústria. Se o Infarmed começar a cumprir o prazo de 75 dias, os laboratórios estão disponíveis para ceder gratuitamente ao Estado os tratamentos que forem necessários durante estes dois meses e meio. A partir desse prazo, voltam a cobrar um preço tabelado e superior ao que se consegue após as negociações da comparticipação.