Política interna tira margem de manobra a Merkel para agir na zona euro
Até às eleições de Outubro, a prioridade em Berlim é retirar do debate político os problemas em torno do euro, para não dar mais munições à extrema-direita.
Com a crise dos refugiados a dominar todas as atenções e a ameaça de um avanço da extrema-direita a pressionar o partido liderado por Angela Merkel, os temas relacionados com a economia da zona euro, incluindo eventuais alívios de dívida nos países periféricos, desapareceram do debate político na Alemanha. Em Berlim, para evitar fazer do país o próximo na linha das surpresas políticas internacionais, o governo decidiu que o melhor é não tomar qualquer decisão que implique custos adicionais para a Alemanha na gestão da crise da zona euro, explicam os economistas e politólogos alemães ouvidos pelo PÚBLICO.
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Com a crise dos refugiados a dominar todas as atenções e a ameaça de um avanço da extrema-direita a pressionar o partido liderado por Angela Merkel, os temas relacionados com a economia da zona euro, incluindo eventuais alívios de dívida nos países periféricos, desapareceram do debate político na Alemanha. Em Berlim, para evitar fazer do país o próximo na linha das surpresas políticas internacionais, o governo decidiu que o melhor é não tomar qualquer decisão que implique custos adicionais para a Alemanha na gestão da crise da zona euro, explicam os economistas e politólogos alemães ouvidos pelo PÚBLICO.
“A crise do euro não existe neste momento nos media e na opinião pública alemãs”, afirma Eckart Stratenschulte, director da Academia Europeia de Berlim. Para este analista, às portas de um ano de grande incerteza política na Europa, a opção do governo alemão é muito clara: não falar, pelo menos até às eleições, de assuntos delicados que envolvam perdas financeiras para a Alemanha relacionadas com outros países. “Todos sabemos que terá de haver uma reestruturação na Grécia e eventualmente algumas mudanças nas exigências que são feitas a países como Portugal Itália ou Espanha. E até é geralmente aceite que, depois das eleições, terão de se encontrar soluções para estes problemas. Mas, entretanto, o que se faz é ganhar tempo”, explica.
Este cenário está em linha com a ideia expressa por António Costa em entrevista à RTP, quando foi questionado sobre a possibilidade de uma reestruturação de dívida em Portugal. O primeiro-ministro disse que até às eleições na Alemanha, nada acontecerá na Europa, razão pela qual só espera que haja discussão sobre a dívida, na União Europeia, depois desse momento.
O silêncio propositado de Berlim sobre este tema tem uma justificação principal: o partido Alternativa para a Alemanha – AfD, que, com uma política agressiva contra a entrada de refugiados e contra o euro, se tem vindo a fortalecer, constituindo já uma ameaça eleitoral real para a CDU de Angela Merkel. Essa ameaça tornou-se ainda mais forte com as vitórias do “Brexit” no Reino Unido e de Trump nos Estados Unidos e com a perspectiva de resultados fortes para Marine Le Pen em França.
É verdade que a AfD tem actualmente como grande bandeira o tema dos refugiados. É aí que tem conseguido desferir mais golpes à política de Merkel e conquistar mais eleitorado, passando de uma votação abaixo de 5% nas eleições anteriores para sondagens que apontam para resultados próximos dos 15%.
No entanto, quando nasceu, a AfD tinha como principal objectivo defender a ideia de que a Alemanha não deve continuar a resgatar os países periféricos e que, se o tiver que fazer, então o melhor é sair do euro. O próprio nome do partido surgiu de uma frase dita por Angela Merkel no auge da crise do euro: “A Alemanha não tem alternativa a salvar o euro”.
Sendo assim, já sob pressão por causa dos refugiados, o Governo prefere não dar mais munições à AfD com o regresso das discussões públicas sobre o papel da Alemanha no euro. “Se se aceitasse agora uma reestruturação da dívida, o que aconteceria é que a AfD diria que tinha razão”, afirma Eckart Stratenschulte.
Aquilo que vier a acontecer a seguir às eleições de Outubro de 2017 dependerá, é claro, de quais forem os resultados nas urnas. Angela Merkel decidiu voltar a candidatar-se à chefia do Governo e, neste momento, a generalidade das sondagens aponta para uma nova vitória do seu partido.
No entanto, o sistema eleitoral alemão não facilita em nada a obtenção de maiorias absolutas e, tal como acontece no actual Governo, será certamente necessário encontrar coligações que viabilizem um executivo. Para o politólogo Frank Burgdörfer, o cenário mais provável passa pela formação de uma coligação governamental liderada pela CDU de Merkel, com os seus parceiros históricos CSU e com um dos partidos no centro esquerda. Ou uma grande coligação idêntica à actual com o SPD ou com os Verdes, que em temas com o ambiente ou os refugiados está muito alinhado com Merkel.
Uma possibilidade mais distante é o entendimento do SPD (talvez liderado por Martin Schulz) com os Verdes e o Die Linke, numa espécie de “geringonça” alemã. O acordo entre o SPD e o Die Linke parece contudo muito difícil devido à forte diferença de opiniões em relação à Europa e à Nato, por exemplo. “Não parece provável que o SPD aceite ficar dependente do Die Linke”, diz Frank Burgdörfer .
Sendo assim, tendo em conta que o mais provável é a CDU continuar a liderar o Governo, pode ser demasiado arriscado pensar que, a seguir às eleições, a Alemanha vai mudar a sua política e abrir a porta, por exemplo, a uma reestruturação das dívidas europeias.
Neste momento, com o ministro das Finanças Wolfgang Schäuble a ocupar um papel de destaque, a Alemanha tem dado sinais com todos os sinais de maior flexibilização das regras orçamentais vindas de Bruxelas, reagindo também mal a qualquer facilitismo relativamente à Grécia. Berlim mostra-se também muito reticente em responder positivamente à recomendação da Comissão Europeia de aplicação de uma política económica mais expansionista.
Depois, para além disso, a AfD não vai desaparecer depois das eleições. Pelo contrário, irá provavelmente ganhar peso, com uma presença no parlamento. “A AfD retirou espaço de manobra a Angela Merkel para actuar a um nível europeu”, afirma Julian Rappold, um especialista alemão em política internacional.
Este especialista tem muitas dúvidas sobre a capacidade alemã para liderar um processo ambicioso de mudança na Europa. “A Alemanha não é boa a avançar com uma ideia de Europa Alemanha. Sente dificuldades em ultrapassar a imagem de ser o país que impõe a austeridade ao Sul e que impõe um estilo de vida ocidental ao Leste”, afirma, assinalando que “isso não faz parte também do carácter de Angela Merkel”. “Ela prefere sempre uma estratégia em que aquilo para onde se se avança é apenas o que é exequível politicamente”, explica.
O jornalista viajou a convite da Academia Europeia de Berlim