Muitas palmas para as nossas escolas
Em década e meia, o desempenho dos alunos portugueses passou da cauda para acima da média dos países ricos. Uma das melhores notícias dos últimos anos para o país.
O nosso Presidente-Rei que tanto se empenha em distribuir confiança a todos, medalhas a atletas e afagos a gestores devia fazer uma pausa na sua agenda para dedicar um dia inteirinho a enaltecer o extraordinário trabalho dos professores portugueses. Os resultados internacionais da avaliação TIMMS ou os dados do PISA de 2015 são a melhor notícia que recebemos como país em muitos meses de dúvidas e incertezas. E, desta vez, é ridículo cair no facciosismo partidário ou no ego insuflado deste ou daquele político ou ministro para encontrar a origem dessa boa notícia. Os alunos portugueses de 15 anos têm resultados melhores do que os congéneres dos países ricos porque beneficiam de um esforço colectivo, nacional, desenvolvido pela sociedade portuguesa como um todo.
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O nosso Presidente-Rei que tanto se empenha em distribuir confiança a todos, medalhas a atletas e afagos a gestores devia fazer uma pausa na sua agenda para dedicar um dia inteirinho a enaltecer o extraordinário trabalho dos professores portugueses. Os resultados internacionais da avaliação TIMMS ou os dados do PISA de 2015 são a melhor notícia que recebemos como país em muitos meses de dúvidas e incertezas. E, desta vez, é ridículo cair no facciosismo partidário ou no ego insuflado deste ou daquele político ou ministro para encontrar a origem dessa boa notícia. Os alunos portugueses de 15 anos têm resultados melhores do que os congéneres dos países ricos porque beneficiam de um esforço colectivo, nacional, desenvolvido pela sociedade portuguesa como um todo.
Se devemos muito a ministros como Marçal Grilo ou Maria de Lurdes Rodrigues, a primeiros-ministros que declararam a sua “paixão” pela educação, ou a académicos que se empenharam em discutir a educação, a maior coroa da glória não cabe às elites administrativas, intelectuais ou políticas: cabe aos alunos, aos pais e, principalmente, aos professores. Fazer o que eles fizeram nos últimos dez anos, perante um nítido envelhecimento da classe, num quadro de permanente instabilidade institucional, com cargas de trabalho não lectivo acrescidas, com as carreiras paralisadas, com perda de parte do seu salário por força das políticas de ajustamento, face a um ministério centralista, burocrático, opressivo e normalizador, num ambiente social tantas vezes degradado e com impactos directos na disciplina na sala de aula, não é pouco. É muitíssimo.
Não há razões para cairmos num estado agudo de ufania, nem de acreditar que tudo está ganho, mas, por um dia, vale a pena celebrar. Porque os resultados do estudo PISA não são mais uma catrefada de números avulsos condenados ao esquecimento até uma próxima vaga. O que está em causa é um estudo sério, profundo, que mobiliza milhares de especialistas, alunos e professores em 72 países e que oferece conclusões habitualmente despidas de grandes contestações. Por isso, os dados do PISA têm uma enorme importância na imagem que os países projectam para o exterior – os principais relatórios internacionais sobre a competitividade ou a capacidade de atracção de investimento externo concedem-lhes ampla atenção. E obrigam os países envolvidos a fazerem introspecção, discutirem o que está mal ou bem e encontrar soluções para melhorar. Ora, foi exactamente o que Portugal fez na última década e meia. Depois de, em 2000, se situar numa posição vexatória (era o antepenúltimo no ranking dos 35 países da OCDE), o país discutiu, reuniu forças, introduziu mudanças, e chegou agora a uma posição que o coloca acima da média na avaliação global em literacia científica e no domínio da língua portuguesa e muito perto da média a matemática. Se isto não é um exemplo capaz de nos dar confiança, não vejo nada melhor nos últimos anos para lá chegar.
Os resultados do PISA obrigam o país a rever muitas das ideias feitas sobre a docência, sobre os objectivos da educação e fundamentalmente sobre o grau de exigência que devemos ter sobre nós próprios enquanto país. Nada disto se faria sem os professores – sem a sua competência e, fundamentalmente, sem a sua capacidade de resistir; nada disto aconteceria se os pais não continuassem a acreditar que a educação é o mais poderoso factor de sucesso para o futuro dos filhos. Mas nada disto seria igualmente possível se, nos últimos anos, não tivesse havido uma alteração no discurso sobre o que o país pode e deve esperar do seu sistema educativo. Sem o combate ao eduquês politicamente correcto que olha para as crianças e os jovens com a placidez hippie de um eterno bom selvagem, dificilmente Portugal poderia ser apontado como um exemplo de sucesso. Sem a convicção de que a aposta no desenvolvimento integral das crianças e jovens deve contemplar muita exigência no ensino da Matemática ou do Português, dificilmente a educação teria melhorado. Sem o contributo de vários ministros que apostaram na formação de professores, que criaram exames de avaliação regular, que tentaram premiar os professores que mais se destacassem no seu desempenho, que forçaram a publicação de rankings onde se podem ler tendências (nunca verdades absolutas) sobre a qualidade das escolas, nada disto teria sido possível.
Com a globalização da economia, a educação tornou-se ainda mais um factor de integração social e de desenvolvimento económico. Formar jovens com capacidades para poderem sobreviver num mundo onde a concorrência pelos empregos se faz mais à escala internacional, no mercado nacional ou lá fora, é uma obrigação da escola. Na era da economia digital, ter competências e saberes ao nível dos melhores é crucial para o futuro dos portugueses e do país. Os nossos jovens não se batem com os de Singapura e talvez não queiramos que alguma vez isso seja possível – um jovem de 15 anos com o mundo reduzido a equações matemáticas pode ser um bom engenheiro, mas dificilmente será um bom cidadão. Mas compararmos favoravelmente com os espanhóis ou os franceses mostra que, quando o país é desafiado, tem nervo, potencial e responde positivamente.
Chegados aqui, vale a pena olhar para a extraordinária notícia da educação como um exemplo: se não quisermos ser uma Albânia do extremo ocidental da Europa, temos de aceitar as regras do jogo do mundo contemporâneo e reunir trunfos para lhe resistir e sobreviver. E nos dias de hoje não há trunfos mais importantes do que os da educação. Se hoje, apesar da crise, dos desmandos dos banqueiros e das incúrias dos políticos, temos perspectivas de futuro, é porque colectivamente somos uma sociedade (e, em parte, uma economia) mais culta e desenvolvida. Com mais competências. Manter o discurso de exigência que muitos ministros, professores, pais ou académicos fizeram em favor de uma educação mais focada e avaliável é fundamental. Recusar e combater o discurso da educação delico-doce, com muito floreado zen e poucas ciências, que despreza a aprendizagem e a avaliação é fundamental.
Uma outra lição para todos está relacionada com a capacidade da escola pública em dar resposta ao que o país dela espera e precisa. O relatório do PISA ontem revelado é um poderoso argumento para todos os que defendem o reforço da escola pública. Se o sistema público é capaz de providenciar bens de qualidade à sociedade garantindo a equidade e a integração social, deixa de haver razão para discutir a sua natureza e o seu papel. Os resultados do PISA são a prova cabal de que a “liberdade de escolha” que o anterior Governo preconizava para fazer avançar uma privatização travestida é um erro e um perigo. A escola pública, se for bem gerida, com responsabilidade e exigência, responde como respondeu. Colocando os nossos alunos ao nível dos melhores da Europa.