Ser pai? Só se eu for doido!
Era apenas assim, casavas-te e tinhas filhos, e se calhar hoje pensamos demais, sonhamos demais, planeamos demais, ansiamos demais
Ser pai, ter o desejo de ser pai, sonhar ser o pai de muitos filhos, uma equipa de futebol inteira com o meu nome nas costas para vencer o campeonato nacional e a liga dos campeões. Não, apenas pai não, super-pai, de capa e tudo, e ser o herói dos meus filhos contra dragões e monstros espaciais e salvá-los todos os dias dos perigos deste e doutros mundos... Não, a sério? Só podes estar a brincar, é que só podes! Não sei porquê, mas no dia em que me lembrei de ser pai, de querer ser pai, devia estar doido. Não durmo desde Setembro (de 2004), ou pelo menos desde o nascimento dos gémeos, que o mais velho vai agora para o Secundário e a do meio já se entretém a brincar sozinha, a última vez que comprei algo para mim estive uma semana inteira a levar da minha mulher sobre a quantidade de “aptamis” que podíamos ter comprado em troca, trabalho de sol a sol, como no antigamente, mas tantas vezes sem sequer o ver, ao sol, e tudo porque um dia tive a peregrina ideia de também eu ser pai, como o meu pai, o meu avô, o pai dele antes dele e por aí fora, mas desta vez em grande, e que se lixe a crise, com uma tribo de miúdos à minha volta. Ora, se ainda não chegamos para jogar à bola, não tenho dúvidas nenhumas em relação à tribo, armada até aos dentes entre setas, machados e lanças, ocupando todo o território lá de casa aos primeiros sinais do dia, dia após dia, o que é basicamente o mesmo que dizer que me partem a casa toda, mobília, paredes e loiça incluídas sem ninguém lhes poder dizer nada.
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Ser pai, ter o desejo de ser pai, sonhar ser o pai de muitos filhos, uma equipa de futebol inteira com o meu nome nas costas para vencer o campeonato nacional e a liga dos campeões. Não, apenas pai não, super-pai, de capa e tudo, e ser o herói dos meus filhos contra dragões e monstros espaciais e salvá-los todos os dias dos perigos deste e doutros mundos... Não, a sério? Só podes estar a brincar, é que só podes! Não sei porquê, mas no dia em que me lembrei de ser pai, de querer ser pai, devia estar doido. Não durmo desde Setembro (de 2004), ou pelo menos desde o nascimento dos gémeos, que o mais velho vai agora para o Secundário e a do meio já se entretém a brincar sozinha, a última vez que comprei algo para mim estive uma semana inteira a levar da minha mulher sobre a quantidade de “aptamis” que podíamos ter comprado em troca, trabalho de sol a sol, como no antigamente, mas tantas vezes sem sequer o ver, ao sol, e tudo porque um dia tive a peregrina ideia de também eu ser pai, como o meu pai, o meu avô, o pai dele antes dele e por aí fora, mas desta vez em grande, e que se lixe a crise, com uma tribo de miúdos à minha volta. Ora, se ainda não chegamos para jogar à bola, não tenho dúvidas nenhumas em relação à tribo, armada até aos dentes entre setas, machados e lanças, ocupando todo o território lá de casa aos primeiros sinais do dia, dia após dia, o que é basicamente o mesmo que dizer que me partem a casa toda, mobília, paredes e loiça incluídas sem ninguém lhes poder dizer nada.
Uma palavra, uma palavra só para descrever, do princípio ao fim, de alto a baixo, a paternidade: vómito. Muito. A sexta-feira passada? Exacto, a limpar vómito, e esquece lá a discoteca de uma outra juventude, ou o tal café há tanto prometido com os amigos, porque a palavra de ordem é só uma, e vem com bocadinhos de cenoura a boiar. Epá, eu nem vos conto, aquilo era por todo o lado na casa de banho! E enquanto eu limpava não conseguia deixar de ouvir a do meio aos berros desde o pesadelo da semana passada que é hoje que a casa vai arder, apenas para descobrir no fim ter a sanita entupida de tanta pôrra enquanto enfio o braço pela retrete adentro e o outro gémeo grita do quarto “Oh oh”, e quando o outro gémeo diz “Oh oh” é porque se mijou todo e na pressa de o acudir fiquei com o braço preso, pelo que duzentos euros depois o canalizador saiu lá de casa, a minha mulher foi-se deitar e eu já pude ir mudar a fralda ao miúdo.
O sábado? Foi passado com a do meio e os gémeos a choramingar o dia todo, colo para a frente e colo para trás, e quando no domingo estava a contar deixar a criançada toda com os avós para duas horas, finalmente, a sós só nós os dois, eis senão quando a minha mãe se balda com uma “daquelas dores de cabeça que tu nem sabes”. Sei pois, mãe, obrigadinho, e quanto ao mais velho nem vale a pena pedir nada, com o “GTA” ligado desde Sexta à noite (mas quem é que lho deu? Ah, fui eu...).
A minha mulher, não sei como nem de onde lhe vem este estoicismo, passa por tudo como se nada fosse. Até parece ter nascido para isto, para ser mãe, e com um leve sorriso e meia dúzia de gestos, afagos e palavras, resolve tudo, do acordar ao deitar, amando incondicionalmente, sem vislumbre de cansaço, e sempre a olhar de lado para este que vos escreve. E apesar de no fundo ter a sorte de ser pai destes filhos, não consigo deixar de pensar todos os dias em atirar o telemóvel ao mar, tirar todo o dinheiro que ainda tenho no banco e fugir daqui para bem longe, para onde me chamem pelo nome e não apenas por “pai”, pai isto, pai aquilo, ó pai, pai dá-me isto, pai, ele tirou-me o brinquedo, pai fiz xixi, pai tenho fome, pai tenho sono, pai quero ir à rua, pai quero a mãe, pai quero o pai, Paaaai!
Se me perguntarem, não sei, nem compreendo, o que estava o meu pai a pensar quando decidiu ser pai. Se calhar, não estava a pensar em nada. Era apenas assim, casavas-te e tinhas filhos, e se calhar hoje pensamos demais, sonhamos demais, planeamos demais, ansiamos demais. Se pudesse voltar atrás? Não tinha filhos, não desta maneira, só se eu fosse doido! Sim, porque se a maternidade é este estado de graça onde as mulheres se fotografam nas redes sociais com as suas grandes barrigas em flor de lótus, tal só acontece porque lá atrás estão os respectivos a arrancar os cabelos enquanto acodem a todos os filhos, um de cada vez e todos ao mesmo tempo.
Vocês não sei, mas ainda tenho 30 anos disto pela frente e já estou farto. Já tenho mais cabelos brancos que cabelos e a falta de dentes é inversamente proporcional. E o pior é que depois, quando, eventualmente, me saírem de casa, só eu sei como vou sentir a falta deles, só eu sei como vou querer saber deles, parte de mim à deriva sem ter quem os ajude, quem os empurre por esse mundo adiante, porque uma vez filhos, sempre filhos, e eu quando me fiz pai foi para o resto da vida.