Valls candidato à presidência para provar que a esquerda francesa não está condenada

Demite-se terça-feira do cargo de primeiro-ministro. Diz que quer unir, primeiro a esquerda, depois os franceses. Porque "nada está decidido".

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Manuel Valls anunciou a sua candidatura à presidência de França. Fez um tímido elogio ao actual chefe de Estado, mas ao justificar a sua decisão não fez mais do que apontar o que correu mal a François Hollande. Valls quer afirmar o peso internacional de França e os valores de um país “independente” perante “a China de Xi Jinping, a Rússia de Vladimir Putin, a América de Donald Trump e a Turquia de Erdogan”.

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Manuel Valls anunciou a sua candidatura à presidência de França. Fez um tímido elogio ao actual chefe de Estado, mas ao justificar a sua decisão não fez mais do que apontar o que correu mal a François Hollande. Valls quer afirmar o peso internacional de França e os valores de um país “independente” perante “a China de Xi Jinping, a Rússia de Vladimir Putin, a América de Donald Trump e a Turquia de Erdogan”.

“Sou candidato porque a França deve assumir todo o seu peso num mundo que já não é aquilo que era: terrorismo, aquecimento global, subida da extrema-direita”, disse o candidato que, esta terça-feira, oficalizará a sua demissão do cargo de primeiro-ministro, que ocupa desde em Março de 2014, quando Hollande o chamou para a chefia do Governo, em substituição de Jean-Marc Ayrault.

O anúncio da candidatura de Valls foi feita quatro dias depois de Hollande ter discursado ao país para dizer que não se recandidata — é a primeira vez que um Presidente em exercício não tenta manter-se no Eliseu para um segundo mandato em que mais de 50 anos.

“A sua decisão [de não se recandidatar] foi a de um homem de Estado, que coloca os interesses gerais acima de todos os outros; quero expressar-lhe a minha afectividade”, disse Valls sobre Hollande, depois de semanas de tensão entre os homens que governavam a França por causa da hesitação de um em tomar uma decisão e a necessidade do outro em começar imediatamente a campanha.

Hollande é o Presidente mais impopular em décadas. E Valls sabe que não tem muito tempo para tentar reverter um cenário que, à partida, não lhe é favorável. As sondagens sobre as primárias abertas da esquerda, que decorrem entre 22 e 29 de Janeiro, dizem que deverá ser ele o escolhido para as presidenciais — primeira volta a 23 de Abril, segunda a 7 de Maio. Já os inquéritos das presidenciais colocam-no em desvantagem — atrás de François Fillon (direita) e Marine Le Pen (extrema-direita).

“Dizem que a esquerda não tem hipóteses, mas nada está decidido. Dizem que a extrema-direita está qualificada para a segunda volta, mas nada está decidido. Dizem que François Fillon é o próximo Presidente da República, mas nada está decidido”, disse Valls, que tem 54 anos, nasceu em Espanha e naturalizou-se francês aos 20 anos.

Daí o seu apelo à unidade, ele que dividiu o Partido Socialista, com um estilo autoritário, uma política virada para as empresas — perdeu o apoio de parte da bancada socialista no Parlamento com a reforma da lei do trabalho, que aprovou por decreto e lhe valeu a contestação dos cidadãos nas ruas — e o apoio a causas mais próximas da direita mais radical, por exemplo a proibição do burkini.

“Hoje, tenho uma responsabilidade, unir”. “Sim, unir, porque quando governámos com François Mitterrand, Lionel Jospin, François Hollande, fizemos parte de uma coisa maior, grande, forte, um combate para proteger o progresso e a justiça social”.

Por enquanto, ainda não convenceu os socialistas — onde tem um rival, representante da facção mais à esquerda do PS, que chegou a ser ministro da Indústria antes de Valls, Arnaud Montebourg. No resto da esquerda, são 12 os candidatos, entre eles o chefe de fila da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon, que nem se apresenta às primárias, e o centrista e seu ex-ministro da Economia, Emmanuel Macron.

“É preciso que Manuel Valls mude de posição sobre uma série de coisas”, disse no sábado o deputado socialista Philippe Doucet. “Aconselho-o a ter posições mais consensuais. Tem que ser ele mesmo, mas oferecer uma nova perspectiva”, acrescentou o primeiro-secretário do PS, Jean-Christophe Cambadélis.

“Quero, em plena liberdade, propor aos franceses uma mudança, com a minha candidatura, e dar mais cinco anos à esquerda”, disse Valls.

A demissão de Manuel Valls implica que todo o executivo francês está demissionário. Hollande, nesta recta final de presidência, terá que encontrar o seu terceiro primeiro-ministro. Os jornais franceses perguntavam se fará ou não uma remodelação total, e apontavam nomes possíveis para suceder a Valls até às legislativas, que são em Junho. A saber: Bernard Cazeneuve (ministro do Interior), Jean-Yves Le Drian (Defesa), Stéphane Le Foll (Agricultura), Marisol Touraine (Saúde) e Najat Vallaud-Belkacem (Educação).