Mais do que conteúdos “faltam meios para a educação sexual” nas escolas
Associação para o Planeamento da Família reage a propostas de novo Referencial de Educação para a Saúde, que prevê, por exemplo, educação sexual no pré-escolar e temas como o aborto a partir do 5.º ano.
Um documento elaborado pelas Direcções-Gerais da Educação e da Saúde – e que não tem carácter vinculativo – sugere que a educação sexual seja introduzida mais cedo nas escolas, logo no pré-escolar, e que assuntos como a interrupção voluntária ou involuntária da gravidez sejam abordados a partir do 5.º ano. O director-executivo da Associação para o Planeamento da Família (APF) garante que algumas das ideias não são novas. Mesmo concordando com as propostas, Duarte Vilar alerta para outro problema: “temos sido muito bons a pôr as coisas no papel, mas o que falta nas escolas são meios para a educação sexual”.
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Um documento elaborado pelas Direcções-Gerais da Educação e da Saúde – e que não tem carácter vinculativo – sugere que a educação sexual seja introduzida mais cedo nas escolas, logo no pré-escolar, e que assuntos como a interrupção voluntária ou involuntária da gravidez sejam abordados a partir do 5.º ano. O director-executivo da Associação para o Planeamento da Família (APF) garante que algumas das ideias não são novas. Mesmo concordando com as propostas, Duarte Vilar alerta para outro problema: “temos sido muito bons a pôr as coisas no papel, mas o que falta nas escolas são meios para a educação sexual”.
O especialista da APF, em declarações ao PÚBLICO, comentava algumas das propostas do novo Referencial de Educação para a Saúde, um documento elaborado pelas Direcções-Gerais da Educação e da Saúde, mas que é meramente orientador e sem carácter vinculativo, como avançou o Jornal de Notícias. No entanto, para Duarte Vilar, mais do que olhar para o que pode ser feito de novo, é preciso perceber o que não é feito e que devia estar já a acontecer. Tanto a Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas como a Confederação Nacional das Associações de Pais, ouvidas pelo mesmo jornal, também questionavam não tanto o conteúdo do documento mas os meios existentes nas escolas.
Concretamente para o pré-escolar, que no ensino público é garantido a partir dos quatro anos, propõe-se no novo referencial que os alunos mais novos tomem “consciência da identidade de género e dos papéis sociais” e que identifiquem “diferentes papéis socioculturais em função do sexo”. Espera-se também que consigam identificar as suas próprias emoções e que as saibam comunicar, assim como saibam identificar as dos outros. Há ainda propostas no sentido de se abordar as mudanças corporais ao longo da vida.
"O cantinho das meninas e o cantinho dos meninos"
Sobre a educação sexual no pré-escolar, Duarte Vilar diz que essa ideia já está prevista pelo Ministério da Educação desde 1997, aquando da publicação das orientações para a educação pré-escolar. O director da APF diz que é preciso desmontar o que se pretende: “é algo tão simples, e que os educadores já costumam fazer, como deixar de promover espaços como o cantinho das meninas e o cantinho dos meninos”.
Já no 2.º ciclo, ou seja, a partir do 5.º ano de escolaridade, o referencial propõe “identificar as mudanças físicas que o corpo sofre ao longo da vida e “valorizar a diversidade dos corpos, incluindo aquela resultante de deficiência”. A ideia passa, ainda, por abordar temas como “gravidez, infertilidade, adopção e contracepção” e “distinguir interrupção voluntária da gravidez de interrupção involuntária gravidez”. Para os mais velhos, no ensino secundário, os desafios passam por “agir para a promoção da igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres”. Espera-se também que respeitem as “diferentes opções individuais face à sexualidade, nomeadamente a abstinência”.
Duarte Vilar defende que “há várias formas de abordar os temas”. “Temos que adaptar os conteúdos a cada um dos ciclos. Posso falar de contracepção no 5.º ano e no 9.º ano e adaptar a informação às necessidades do momento”. O representante da APF, lembra que perda gestacional faz parte da história de muitas famílias, pelo que o tema não será novo para os alunos.
Porém, Duarte Vilar mostra-se mais preocupado com o que não está a ser feito do que com as novas ideias e alerta que, com o fim de disciplinar como Área de Projecto ou Educação Cívica, muitas escolas não estão a encontrar espaços para dar o básico da educação sexual.
Menos uso do preservativo
Consequências? O especialista diz que ainda é cedo para avaliar efeitos, mas aponta para dados que já merecem preocupação. Os dados mais recentes do estudo internacional Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) da Organização Mundial de Saúde, publicado em Março e coordenado pela investigadora Margarida Gaspar de Matos, mostram que Portugal ainda é o sétimo país, de um total de 43, em que há mais relações sexuais protegidas nos adolescentes de 15 anos.
No entanto, há algumas tendências que são motivo de preocupação. Se, por um lado, entre 2006 e 2014 caiu o número de jovens desta idade que já teve relações sexuais, por outro, há menos adolescentes a usar preservativo. Em 2010 só 10% diziam não usar e em 2014 o valor subiu para 25%. Para Duarte Vilar, esta mudança pode ser reflexo do desinvestimento na educação sexual nos últimos anos, com a perda de um tempo lectivo próprio nas escolas para abordar estes assuntos.
Mais quatro áreas
Além dos temas relacionados com a educação sexual, há mais quatro grandes áreas abordadas no manual e em todas elas são apresentadas ideias que vão desde o pré-escolar até ao ensino secundário: saúde mental e prevenção da violência; educação alimentar; actividade física; comportamentos aditivos e dependências;
O referencial foi feito em colaboração com o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) e estava em fase de consulta pública até este domingo – o que significa que todas as entidades e cidadãos interessados tiveram a possibilidade, até esta data, de enviar propostas que podem ou não alterar a versão final que vier a ser publicada.
De acordo com os autores, o objectivo é que seja um documento “orientador destinado à educação pré-escolar e aos ensinos básico e secundário, visando a promoção da literacia em saúde, a adopção de estilos de vida saudáveis e o desenvolvimento de competências sociais e emocionais”.