PCP dá um passo em frente e já fala do escudo
Jerónimo não fora tão directo, mas com o peso político de ser o ex-líder, Carvalhas tornou cristalina a defesa, pelo PCP, da saída do euro e do regresso ao escudo.
Coube ao ex-líder do PCP, Carlos Carvalhas, dar o passo em frente no que diz respeito à posição do partido sobre a renegociação da dívida pública. Subindo ontem à tribuna do XX Congresso que decorre em Almada, Carvalhas defendeu que a dívida pública portuguesa deve ser transferida para o “direito português” de modo a que “seja paga não em euros mas em escudos”.
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Coube ao ex-líder do PCP, Carlos Carvalhas, dar o passo em frente no que diz respeito à posição do partido sobre a renegociação da dívida pública. Subindo ontem à tribuna do XX Congresso que decorre em Almada, Carvalhas defendeu que a dívida pública portuguesa deve ser transferida para o “direito português” de modo a que “seja paga não em euros mas em escudos”.
Dono da legitimidade de quem é membro do Comité Central, mas sobretudo da que lhe advém de ter sido secretário-geral entre 1992 e 2004, Carvalhas foi mais longe na clarificação da posição dos comunistas sobre a dívida pública e sobre o euro do que tinha sido na véspera o actual líder e mesmo do que está escrito nas Teses ao congresso, que hoje serão aprovadas na sessão de encerramento.
Coube ao ex-líder expressar de forma cristalina a opção pela saída do euro, uma posição que o actual secretário-geral não pode assumir de forma tão clara devido ao facto de ser a cara institucional do PCP, num momento em que este partido tem um entendimento sobre a governação com o PS. É que apesar de as divergências sobre o euro e sobre a dívida serem uma das questões que estão fora do acordo, o respeito pelo institucionalismo das relações políticas que caracteriza o PCP não deixa espaço para Jerónimo abrir o jogo de forma tão explícita. Daí que fique para outra figura da direcção este papel. Mas o peso de ter sido Carvalhas a dizê-lo é a prova da importância que o PCP dá ao objectivo.
A posição assumida por Carvalhas de que a dívida seja paga em escudos, primeiro passo para o regresso à moeda nacional, pressupõe uma outra premissa do discurso do PCP sobre a política financeira: a preparação da saída do país do euro. Este aspecto não foi desenvolvido pelo ex-líder, mesmo assim Carvalhas foi claro na assunção explícita de que Portugal deve abandonar a moeda única, como forma de recuperar a sua “soberania monetária”.
Centrando-se na abordagem da posição do PCP sobre a renegociação da dívida pública, Carvalhas perguntou: “Quantos mais anos serão necessários para se retirar as devidas ilações?” Isto depois de ter defendido que Portugal vive uma “soberania limitada” e uma economia “asfixiada” pela imposição do “garrote da dívida”. E sustentado que Portugal, “tendo perdido a soberania monetária”, está “nas mãos do BCE”.
Carvalhas - que é economista - analisou as razões do crescimento da dívida pública portuguesa, afirmando que “o que mais pesou na dívida pública foi a irresponsabilidade do BCE”. Outro factor apontado foi a “drenagem dos dinheiros públicos” para bancos, apontando o dedo aos “sucessivos e estrondosos escândalos na banca, cuja factura pagámos e continuamos a pagar”.
Carvalhas lembrou que ao longo dos últimos anos Portugal pagou 82 mil milhões de juros, ao ritmo anual de 8 mil milhões. E frisando que o PCP há muito defende a renegociação da dívida, explicitou o alvo: “Foi-nos dito pelas luminárias do PSD que não era altura.”
Usando de ironia, como é sua característica, o ex-líder do PCP afirmou: “Temos sido atacados por defender que a dívida é impagável”. E citando nomes como Pitágoras e Pascal, atirou: “São os matemáticos que demonstram que a dívida é impagável que deverão ter a culpa.”
Autonomia comunista
Se Carvalhas fez as despesas de serviço quanto à demarcação do PS em questões centrais, a garantia da autonomia do PCP, mesmo quando tem um entendimento de governação com os socialistas, ficou a cargo do líder parlamentar, João Oliveira, que, com Francisco Lopes e Jorge Cordeiro, tem integrado a delegação a todas as reuniões de negociação com o Governo de António Costa.
“A nova fase da vida política nacional não implicou a celebração de qualquer tipo de acordo de incidência parlamentar ou a constituição de uma pretensa maioria de esquerda”, vincou, garantindo: “O PCP não está comprometido com o programa de Governo, não se diluiu, não está condicionado por qualquer acordo de incidência parlamentar e não é força de suporte do Governo.”
Membro da Comissão Política, enquanto líder parlamentar, João Oliveira insistiu na ideia: “O PCP mantém a sua independência e autonomia e toma as suas decisões em função do que melhor serve os interesses dos trabalhadores e do povo.” E fez questão de assegurar: “Não fazemos nossa a política do PS. Não desistimos do nosso programa nem do objectivo imediato de romper com a política de direita e concretizar a política alternativa, patriótica e de esquerda pela qual continuamos a lutar.”
A reestruturação da dívida voltou a ser referida pelo membro do Comité Central e eurodeputado João Ferreira. Enumerando um conjunto de propostas feitas pelos comunistas portugueses no Parlamento Europeu, quer sobre o apoio à pesca e à agricultura portuguesas, quer sobre o combate à pobreza, quer sobre a promoção da língua e cultura portuguesa, João Ferreira salientou que foi por iniciativa do PCP que se discutiram em Estrasburgo os temas da renegociação das dívidas públicas e a revogação do Tratado Orçamental.
“Avançámos com propostas inovadoras como o programa de apoio aos países intervencionados pela troika ou o programa de apoio à saída negociada do euro pelos Estados-membros, cuja presença na moeda única se tenha revelado insustentável”, explicou João Ferreira, referindo-se a medidas que propôs para o Orçamento da União Europeia para 2016.