Renzi enfrenta pesada derrota e Itália mergulha numa crise política
Sondagens à boca das urnas antecipam grande vitória ao "não" na consulta para alterar a Constituição, um voto que o primeiro-ministro transformou num plebescito à sua governação.
Menos de meia hora depois do encerramento das urnas, a oposição em peso exigia a demissão de Matteo Renzi, o homem que quis reformar Itália e foi derrotado nas urnas — de acordo com todas as sondagens à boca das urnas, a reforma constitucional promovida pelo primeiro-ministro de Itália foi chumbada pelos eleitores.
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Menos de meia hora depois do encerramento das urnas, a oposição em peso exigia a demissão de Matteo Renzi, o homem que quis reformar Itália e foi derrotado nas urnas — de acordo com todas as sondagens à boca das urnas, a reforma constitucional promovida pelo primeiro-ministro de Itália foi chumbada pelos eleitores.
Segundo o inquérito divulgado pela televisão pública RAI (Ipr Marketing-Istituto Piepoli), o “não” obteve 54 a 58% dos votos e o “sim” 42 a 46%. A sondagem da televisão privada La7 confirma este resultado, com o “sim” a ficar entre os 41 e os 45% e o “não” a alcançar 55 a 59%. Quando estavam escrutinadas 51,100 das 63,100 secções de voto, o "não" tinha 59,6% (15,5 milhões de votos), enquanto o "sim" reunia 40,4% (perto de 10,5 milhões de votos).
O líder da Liga Norte, partido secessionista e xenófobo, Matteo Salvini, afirmou de imediato que Renzi deveria demitir-se “dentro de minutos”. Logo depois, foi o líder do grupo da Força Itália na Câmara dos Deputados, Renato Brunetta, a defender que a demissão é inevitável.
Toda a oposição, da direita de Silvio Berlusconi ao partido anti-partidos Movimento 5 Estrelas, passando pela extrema-direita, fez campanha pelo “não”.
Renzi anunciou há meses que se demitiria se a sua reforma fosse chumbada e garantiu mesmo que vai recusar integrar um provável governo técnico com mandato para elaborar uma nova lei eleitoral e conduzir o país até 2018, quando estão previstas as próximas legislativas.
Nada indicava que o líder do Governo e do Partido Democrático estivesse com pressa. O vice-secretário do partido de centro-esquerda, Lorenzo Guerini, afirmou aos jornalistas que a direcção “do PD se reúne na terça-feira para uma avaliação dos resultados do referendo”. Claro que Renzi ainda poderia acelerar o pedido de demissão — é bastante provável que o 5 Estrelas, de Beppe Grillo, leve já hoje ao Parlamento um voto de desconfiança ao primeiro-ministro, o que este poderá tentar evitar, antecipando uma audiência com o Presidente, Sergio Mattarella.
Participação alta
A participação foi alta, como Renzi desejava, e chegou aos 68%. O primeiro-ministro tinha defendido que se chegasse aos 60%, o “sim” venceria por ser este o voto mais empenhado. Participação alta, defendia, também o favorecia por causa da chamada “maioria silenciosa”, a mesma que algumas vezes baralhou resultados e deu a Berlusconi melhores votações do que as antecipadas nas sondagens. Enganou-se.
Ao contrário do que acreditava Renzi, os politólogos e especialistas em sondagens avisavam que era a abstenção que o favorecia. Isto porque a hostilidade à reforma constitucional era maior entre os jovens e dos eleitores do Sul, com mais probabilidade de ficarem em casa.
Em causa estavam alterações a um terço da Constituição: o fim do “bicameralismo perfeito” e a perda de poderes do Senado, com o reforço automático da Câmara dos Deputados, mas também do executivo.
Em conjunto com a lei eleitoral aprovada em Julho no Parlamento (mas actualmente a ser questionada nos tribunais), estas mudanças conduziriam a um reforço grande do governo e do primeiro-ministro — com esta lei eleitoral, o partido vencedor recebe um prémio que corresponde a 54% dos lugares na Câmara dos Deputados.
Numa frase com muito exagero, Maurizio Bianconi, deputado ex-membro da direita de Berlusconi (Força Itália, que abandonou o ano passado) e actualmente parte do grupo Conservadores e Reformistas, dizia que “se o ‘sim’ vencer, Renzi fará com menos violência, menos detidos, menos mortos, o mesmo que fizeram já Mussolini, Franco, Salazar, Ceausescu, Erdogan”.
Crise italiana e europeia
O cenário de um governo técnico ou de transição, com o encargo de fazer aprovar uma nova reforma eleitoral e de conduzir os destinos do país até 2018, é o mais provável. Mas os estragos estão feitos: o euro começou de imediato a descer; tratando-se da terceira economia da zona euro, a incerteza política no país traz sempre instabilidade financeira.
É oficial, a Itália está, de novo, mergulhada numa crise política. Isto na Europa que ainda digere o “Brexit” britânico e antecipa, com receio, as eleições presidenciais francesas de Abril.
Em editorial este domingo, o diário La Stampa defendia que depois de “uma das batalhas eleitorais mais ásperas da história republicana” é preciso “transformar o resultado, qualquer que seja, num momento de união nacional para assim apontar de imediato às prioridades colectivas”. Na véspera, o director do jornal La Repubblica fazia mais ou menos o mesmo diagnóstico, descrevendo uma Itália “dividida e doente” após uma campanha “em clima de guerra civil sem armas”.