Morreu Jean-Loup Passek, o cinéfilo francês em que batia um coração português
Em 2005, inaugurou em Melgaço um Museu do Cinema recheado com o acervo recolhido ao longo da vida. Nascido em França, cinéfilo curioso, desenvolveu actividade no Festival de Cannes, no de La Rochelle e no Centro Pompidou. Dizia ter "espírito eslavo, nacionalidade francesa e coração português".
Começou a chegar até nós quando, no início dos anos 1970, animado pelo espírito do cinema-verité, registava um conjunto de obras para a ampliação do metro de Paris. Os operários que ali filmou eram portugueses, e Jean-Loup Passek cimentou com alguns deles uma amizade que o levaria, anos depois, quando já tinha duas casas em Portugal, em que se refugiava durante parte considerável do seu tempo, a afirmar ter “espírito eslavo, nacionalidade francesa e coração português”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Começou a chegar até nós quando, no início dos anos 1970, animado pelo espírito do cinema-verité, registava um conjunto de obras para a ampliação do metro de Paris. Os operários que ali filmou eram portugueses, e Jean-Loup Passek cimentou com alguns deles uma amizade que o levaria, anos depois, quando já tinha duas casas em Portugal, em que se refugiava durante parte considerável do seu tempo, a afirmar ter “espírito eslavo, nacionalidade francesa e coração português”.
Em 2005, este historiador, crítico, programador e coleccionador de cinema, com percurso ligado ao Festival de Cannes e ao La Rochelle, ao Centro Pompidou e ao prestigiado Dictionnaire du Cinéma das edições Larousse, viu inaugurado o Museu do Cinema em Melgaço, a vila do Alto Minho em que tinha residência (a sua outra casa portuguesa encontrava-se em Pataias, Nazaré). Ali depositou o seu valioso acervo de memorabilia cinéfila, recolhida ao longo de toda a vida.
Jean-Loup Passek morreu na madrugada deste domingo, aos 80 anos, revelou ao PÚBLICO fonte familiar. Em Setembro, a Cinemateca prestou-lhe homenagem com a programação de um ciclo de filmes e com uma exposição de cartazes do cinema clássico francês e da escola gráfica da Polónia, país de onde a sua família era originária (ou melhor, “de origem polaca ou russa conforme as vicissitudes da história”, dizia). Na sessão inaugural, a 9 de Setembro, em que não pode marcar presença por motivos de saúde, foi-lhe atribuída a Medalha de Mérito Cultural do Governo de Portugal.
No texto de apresentação do ciclo – que contou com a presença, em Lisboa, do seu amigo de há muitas décadas Marin Karmitz –, destacava-se a existência no seu trajecto de “uma óbvia coerência e duas ou três linhas de força”. São elas: “dar a ver, dar a conhecer, contra cânones estabelecidos, gavetas ou fronteiras históricas”. Foi o que fez, por exemplo, no Centro Pompidou, onde ocupou o cargo de Conselheiro de Cinema entre 1978 e 2001, sendo responsável por grandes retrospectivas de cinematografias menos conhecidas, como as do cinema checo, húngaro, turco, grego, indiano, chinês ou português.
A primeira homenagem em França a Manoel de Oliveira, em 1975, foi da sua responsabilidade, e a única retrospectiva de António Campos fora de Portugal aconteceu igualmente por sua iniciativa. Homenagem e retrospectiva surgiram no festival de La Rochelle, de que foi director em 1973 e 2001 (enquanto isso, coordenou a categoria Caméra d’Or do festival de Cannes, que distingue primeiras obras).
Nascido em 1936, em Boulogne-sur-Seine, Jean-Loup Passek licenciou-se em História e Geografia na Sorbonne, em Paris. A ligação afectiva e profissional ao cinema ficou garantida quando preferiu assistir a Citizen Kane, de Orson Welles, em vez de marcar presença nas provas do concurso de professorado. A aproximação a Portugal chegou, por sua vez, através da relação estabelecida com a comunidade imigrante portuguesa em Paris, juntou da qual criou amizades que se mantiveram para o resto da vida.
Em 2005, quando da inauguração do Museu do Cinema em Melgaço, dizia ao PÚBLICO: “Estou contente. É um verdadeiro milagre que o museu tenha podido nascer aqui, em Melgaço. Ninguém me propôs nada de concreto em França. Gastei o meu dinheiro a comprar isto tudo, e não queria que a colecção ficasse em França. Sinto-me um pouco egoísta. Para mim, Portugal é que é importante”, destacou, referindo que toda a sua vida foi gerida “por sentimentos”. E por um olhar sempre interessado no que o mundo guardava para mostrar. Como afirmou certo dia, “sou pela curiosidade total”.
Reagindo à notícia da sua morte, a Câmara Municipal de Melgaço lamentou, em comunicado, o desaparecimento de "um amigo da terra". "É indiscutível a amizade que nos unirá para sempre. Jean-Loup Passek será para toda a eternidade lembrado como um grande Amigo de Melgaço", refere a autarquia.
Também o ministro da Cultura prestou o "devido reconhecimento" ao trabalho de divulgação do cinema, e em particular do cinema português, realizado pelo historiador e crítico francês. Em comunicado enviado à Agência Lusa, Luís Filipe Castro Mendes sublinhou não esquecer "a generosidade de Jean-Loup Passek e a responsabilidade que representa o legado" de um homem cujo amor por Portugal "nos fez herdeiros do seu acervo, colecção que esteve na base da criação do Museu de Cinema de Melgaço".
O funeral de Jean-Loup Passek realiza-se na sexta-feira de manhã, às 10h30, da Igreja de Saint-Germain-des-Prés para o cemitério do Père Lachaise, em Paris.
Notícia actualizada às 16h35, com correcção do dia da morte – domingo, e não sábado –, reacções institucionais e data do funeral.