Vergonha ou falta de sinceridade?
Deixa no ar a dúvida sobre se o PCP tem vergonha de criticar os poucos países que se dizem comunistas que restam ou se não é sincero nas suas convicções democráticas.
O PCP realiza este fim-de-semana o seu XX Congresso, o primeiro em que está numa posição de clara e aberta influência directa sobre a governação do país. É uma situação inédita em Portugal e para o próprio PCP. O facto de ter assinado um protocolo de entendimento com o PS catapultou-o para a esfera institucional da governação e deu-lhe um estatuto novo enquanto partido do poder. Isto não significa que o PCP não fosse um partido com poder político-social antes, assim como sempre foi um partido com um forte sentido e respeito pelo lado institucional das relações de poder.
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O PCP realiza este fim-de-semana o seu XX Congresso, o primeiro em que está numa posição de clara e aberta influência directa sobre a governação do país. É uma situação inédita em Portugal e para o próprio PCP. O facto de ter assinado um protocolo de entendimento com o PS catapultou-o para a esfera institucional da governação e deu-lhe um estatuto novo enquanto partido do poder. Isto não significa que o PCP não fosse um partido com poder político-social antes, assim como sempre foi um partido com um forte sentido e respeito pelo lado institucional das relações de poder.
Mas o estatuto do PCP perante o país e perante o Estado mudou e isso trouxe novas questões. Uma delas é a de saber como vai o PCP conseguir manter o equilíbrio entre o seu lado de representação institucional e o que é a sua natureza, a sua identidade, a sua filiação ideológica e o seu projecto político. Ou seja, como gerir a dualidade entre o que é ser um partido que influencia directamente decisões de governação e assumiu um compromisso com o PS, com um “partido burguês” — na expressão de Jerónimo de Sousa em entrevista ao PÚBLICO esta semana — e continuar a afirmar-se marxista-leninista, seguidor de uma concepção materialista e dialéctica da história, caracterizando-se como revolucionário e vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores.
Um partido que intervém de forma assumida na gestão do país — como fez ao impor ao PS negociações duríssimas, por exemplo, sobre os trabalhadores das empresas públicas e da administração pública no OE2017, com a justificação legítima de que o faz para garantir a melhoria das condições de vida da população e os direitos dos trabalhadores — mas que tem um projecto político de absoluta transformação revolucionária da sociedade e do poder em que agora participa. Uma espécie de discurso e atitude em dois tempos: o agora e aqui é assim, mas o futuro será diferente.
Este problema não se coloca apenas no que é a relação do PCP com a população e o seu eleitorado em particular. Ainda que, neste plano, o PCP tenha um sério problema de comunicação, já que, de uma forma até quixotesca, se recusa, desde há décadas, a ceder à pressão do mediatismo e à política-espectáculo, optando conscientemente por não se pôr em bicos de pés perante os holofotes e as câmaras. Uma atitude que é tanto mais evidente nesta fase de parceria com o PS quanto o BE nada como peixe nas ondas mediáticas e vive a expor-se e a gerir de forma profundamente hábil e capaz a sua presença na comunicação social.
Há um outro plano em que esta dualidade se joga: o plano partidário interno. Uma das expectativas em relação ao congresso é precisamente de perceber a coerência do PCP hoje com o seu passado e com a leitura ideológica que faz da realidade que quer transformar. E é aqui que o PCP pode derrapar no gelo fino que pisa. Isto porque é notória a incomodidade que transparece em Jerónimo de Sousa quando na entrevista ao PÚBLICO é confrontado com contradições e incongruências que surgem nas Teses ao Congresso.
Nomeadamente, no que diz respeito aos alinhamentos e ao discurso sobre questões sobre as quais o PCP já foi claro no passado. Como é o caso da forma como matiza a demarcação em relação às críticas ao que foram os regimes comunistas de Leste, em particular na União Soviética. Mas também na interpretação que faz dos regimes autodenominados socialistas ou comunistas que existem hoje, de Cuba à China, não esquecendo a Coreia do Norte.
Reduzir a solidariedade que manifesta para com estas ditaduras ao facto de elas estarem cercadas pelo imperialismo capitalista é quase uma argumentação pueril, que esquece o totalitarismo e a opressão nesses países. E entra em contradição profunda com a garantia, que as Teses juram e que Jerónimo de Sousa reafirma na entrevista, de que o PCP não concebe um socialismo que não tenha como característica estrutural e essencial a democracia. Deixando no ar a dúvida sobre se o PCP tem vergonha de criticar os poucos países que se dizem comunistas que restam ou se não é sincero nas suas convicções democráticas.