Linha do Tua vai ter um comboio dos filmes de índios e cowboys
Máquina e carruagens estão a ser feitas em Inglaterra, mas empresário promete recuperar velhas locomotivas da CP. Assim que foram divulgadas as imagens do comboio, as críticas não tardaram: “Constam na nossa memória colectiva pelos filmes de índios e cowboys, mas na América. Não em Trás-os-Montes”.
O comboio turístico que o grupo Douro Azul pretende pôr a circular na linha do Tua suscitou uma onda de indignação nas redes sociais porque a locomotiva, de desenho tipicamente americano, parece saída da Disneylândia. Os comentários referem-se à “pirosice” da máquina, à falta de uma visão mais “histórica e cultural” deste projecto turístico e o blog Aventar refere mesmo que “não há na Europa um único projecto de turismo ferroviário puxado por um comboio de parque de diversões”.
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O comboio turístico que o grupo Douro Azul pretende pôr a circular na linha do Tua suscitou uma onda de indignação nas redes sociais porque a locomotiva, de desenho tipicamente americano, parece saída da Disneylândia. Os comentários referem-se à “pirosice” da máquina, à falta de uma visão mais “histórica e cultural” deste projecto turístico e o blog Aventar refere mesmo que “não há na Europa um único projecto de turismo ferroviário puxado por um comboio de parque de diversões”.
Apesar de alguns elogios pelo empreendedorismo de Mário Ferreira (proprietário da Douro Azul), os seus detractores acusam-no de ignorar que existem várias locomotivas da CP que circularam nos carris da linha do Tua e que agora jazem abandonadas, a apodrecer.
O próprio Mário Ferreira responde aos críticos no Facebook e explica, na sua condição de empresário, que “esta [locomotiva] é para ganhar dinheiro” e que “máquinas com 100 anos não são para andar todos os dias a fazer três e quatro viagens”.
Contactada pelo PÚBLICO, a Douro Azul explicou que a locomotiva comprada em Inglaterra é “ecológica” porque vai ter gasóleo e não carvão a servir de combustível. O resultado final é o mesmo: a água da caldeira é aquecida e o vapor daí resultante fará mover as rodas da locomotiva. Uma solução que, de resto, também é usada pela CP no comboio histórico do Douro.
Fonte oficial da Douro Azul disse ainda que “a circulação do comboio histórico movido a carvão ficaria limitada devido às condicionantes de segurança em momentos de altas temperaturas, situação que se procurou evitar” e que explica a opção por esta locomotiva.
No entanto, a empresa diz que já tem prevista a recuperação e reactivação de uma velha locomotiva a vapor em parceria com o Museu Nacional Ferroviário para operar “em algumas actividades que reforçam a identidade daquela linha”.
Mas nesta fase, o Tua Express inspirado nos comboios do Tio Sam vai circular a partir da próxima Primavera entre Mirandela e Brunheda, nos 33 quilómetros da via estreita do Tua que sobreviveram à barragem. Os restantes 20 estão submersos.
As quatro carruagens que farão parte da composição deste comboio são em madeira e vêm também de Inglaterra.
O projecto turístico custa 15 milhões de euros, repartidos entre 10 milhões pagos pela EDP (no âmbito das contrapartidas pela construção da barragem) e 5 milhões pela Mystic Invest, a holding que detém a Douro Azul.
O comboio do Tua circulará durante todo o ano, com uma oferta adaptada aos picos de sazonalidade, estando em aberto se fará também serviço regular de passageiros para responder à mobilidade local. É que essa era uma das contrapartidas da EDP pela destruição da linha do Tua, que ligava a estação de Foz Tua a Mirandela. Agora será necessário um barco para fazer parte do percurso, que também já está encomendado. O PÚBLICO apurou que será uma réplica de um barco rabelo.
António Brancanes, presidente da APAC (Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos-de-ferro) disse ao PÚBLICO que “é de louvar a iniciativa de um privado aproveitar um troço ferroviário que se encontrava fora de serviço porque é uma forma de valorizar a memória ferroviária da região e de potenciar mais visitas turísticas”. O dirigente espera até que iniciativas desta natureza façam escola noutras zonas do país, nomeadamente no Alentejo, onde há muitas linhas férreas fechadas e onde o turismo tem vindo a aumentar.
Mas já quanto à locomotiva, António Brancanes diz que o desenho escolhido não tem nada a ver com Portugal, nem sequer com a Europa. “É uma máquina tipicamente americana e teria sido bom que fosse feita uma opção por um material que tivesse uma maior aproximação à identidade do que foram as locomotivas portuguesas”, diz.
“Compreendemos que as locomotivas existentes da CP que poderiam ser utilizadas no Tua têm uma idade e custos de manutenção muito elevados para uma exploração turística regular, mas esta proposta da Douro Azul não será a melhor”, acrescentou.
A polémica extravasou os círculos dos entusiastas da ferrovia que, naturalmente, se manifestam contra aquilo que apelidam de comboio da Disneylândia e nas redes sociais insistem que uma locomotiva americana nada tem a ver com a cultura ferroviária europeia e portuguesa.
Mesmo os mais leigos distinguem as velhas máquinas a vapor americanas das europeias. As americanas têm uma chaminé invulgarmente alta e larga, um pavilhão (cabine) bastante grande e possuem na frente o típico cows away (aparta vacas). “Constam na nossa memória colectiva pelos filmes de índios e cowboys. Mas na América. Não em Trás-os-Montes”, diz o presidente da APAC.