Ele é capaz de voar cinco mil quilómetros sem parar

Investigadores seguiram o voo de uma ave limícola e registaram uma impressionante prova de resistência. O maçarico-galego faz a viagem entre a Islândia e a Guiné-Bissau num voo contínuo.E de volta outra vez.

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O maçarico-galego na Islândia, onde passa o Verão Tómas Gunnarsson

Chama-se maçarico-galego, tem plumagem castanha, um longo bico recurvado e é um recordista. Demora cerca de cinco dias a fazer uma viagem de mais de cinco mil quilómetros, entre a Islândia e o arquipélago dos Bijagós, na Guiné-Bissau, sem parar para se alimentar ou hidratar. E sem planar. Um artigo publicado esta quarta-feira na revista Scientific Reports revela alguns pormenores da incrível prova de resistência desta ave limícola. O biólogo português José Alves é um dos autores do trabalho que acompanhou este voo único.

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Chama-se maçarico-galego, tem plumagem castanha, um longo bico recurvado e é um recordista. Demora cerca de cinco dias a fazer uma viagem de mais de cinco mil quilómetros, entre a Islândia e o arquipélago dos Bijagós, na Guiné-Bissau, sem parar para se alimentar ou hidratar. E sem planar. Um artigo publicado esta quarta-feira na revista Scientific Reports revela alguns pormenores da incrível prova de resistência desta ave limícola. O biólogo português José Alves é um dos autores do trabalho que acompanhou este voo único.

O equipamento de “vigilância”, um geolocalizador, foi colocado em dez aves em Junho de 2012 na Islândia. Apenas sete regressaram em Junho de 2013 ao mesmo local. No entretanto, fizeram uma viagem de ida e volta com um total de aproximadamente 11 mil quilómetros.

Os investigadores conseguiram recuperar quatro dos aparelhos que registaram a viagem dos maçaricos-galegos (Numenius phaeopus). Duas das aves fizeram uma paragem de 11 e 15 dias no voo de regresso de África (onde passam o Inverno) e as outras duas (um macho e uma fêmea) apresentaram um impressionante registo de um voo sem qualquer paragem.

O macho que fez as duas viagens sem paragem foi o recordista de velocidade, conseguindo atingir uma velocidade máxima de mais de 24 metros por segundo (o equivalente a 86 quilómetros por hora) no voo que começou na Islândia no Outono e acabou em África. A fêmea que também não fez qualquer paragem no caminho foi um pouco mais lenta, conseguindo ainda assim um registo de velocidade máxima na ordem dos 71 quilómetros por hora. Na Primavera, o voo de regresso à Islândia deste casal de aves limícolas, segundo os registos, é um pouco mais lento.

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José Alves, do Centro de Estudos do Ambiente e Mar e do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro Verónica Mendez

O biólogo José Alves, do Centro de Estudos do Ambiente e Mar e do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro, segue várias espécies de aves limícolas há vários anos, vigiando-as na Islândia (onde procriam, no Verão) e no arquipélago dos Bijagós, na Guiné-Bissau, onde as aves passam o Inverno. O investigador parece também ter adoptado um modo de vida organizado em ciclos migratórios por causa das aves limícolas.

Numa das suas investigações foi feito o registo da viagem migratória do maçarico-galego que surpreendeu os cientistas. “São processos que ainda não compreendemos, são coisas que desafiam o nosso entendimento. Não são sequer comparáveis com humanos que correm maratonas ou ultramaratonas”, disse ao PÚBLICO antes de embarcar para mais uma viagem. José Alves está actualmente no arquipélago dos Bijagós a observar os hábitos do maçarico-galego. O objectivo, contou ao PÚBLICO, é agora tentar perceber como é que o maçarico-galego se prepara (o que come, por exemplo) para fazer a viagem de regresso à Islândia, que acontece entre fim de Março e início de Abril.

Segundo o artigo publicado, a opção pelo voo contínuo em cima do oceano quando existe uma alternativa para uma viagem a sobrevoar terra, com possibilidade de paragens, não tem uma explicação óbvia. A direcção do vento, por exemplo, pode ser uma ajuda para o longo voo mas também pode ser um obstáculo se soprar no sentido errado e com força. No trabalho, os investigadores registaram ventos contrários com o dobro da velocidade do voo da ave, indicando que este tipo de condições adversas não é pouco comum.

O voo sem paragens em cima do oceano, notam os cientistas, terá prós e contras. Se por um lado, evitam predadores, parasitas e agentes patogénicos, por outro lado, o risco de morte (por exaustão ou por não conseguirem proteger-se das condições meteorológicas adversas) é maior. Ainda assim, essa parece ser a opção de muitos maçaricos-galegos.

O registo obtido pelos cientistas mostra que as quatro aves monitorizadas optaram por um voo sem paragens entre a Islândia e África. No regresso, duas aves (uma macho e uma fêmea) fizeram uma paragem no Reino Unido e na Irlanda. Mas também podia ter sido em Portugal. O maçarico-galego é visto em Portugal sobretudo como migrador de passagem (no momento da migração, nos meses de Abril, Maio, Agosto) mas, segundo nota José Alves, há já alguns indivíduos que passam todo o Inverno no Sul do país, sendo notado particularmente em zonas como a Ria Formosa ou o estuário do Sado.