Ferro quer Portugal e Espanha a defender em conjunto os interesses estratégicos comuns
Presidente do Parlamento recebeu os monarcas para a sessão solene, citou autores espanhóis, lembrou as lutas ibéricas e apelou à união de forças.
Apesar dos séculos de conflitos no passado, Portugal e Espanha têm interesses estratégicos comuns, pelo que “é em conjunto que devem ser defendidos”, defendeu esta quarta-feira de manhã o presidente da Assembleia da República na cerimónia solene de recepção aos reis espanhóis, Felipe VI e Letizia, no Parlamento.
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Apesar dos séculos de conflitos no passado, Portugal e Espanha têm interesses estratégicos comuns, pelo que “é em conjunto que devem ser defendidos”, defendeu esta quarta-feira de manhã o presidente da Assembleia da República na cerimónia solene de recepção aos reis espanhóis, Felipe VI e Letizia, no Parlamento.
Eduardo Ferro Rodrigues não escondeu a sua costela socialista nas entrelinhas do discurso: “Independentemente das cores políticas dos governos, os nossos interesses estratégicos são comuns e, como tal, é em conjunto que devem ser defendidos”, disse, agora que Espanha conseguiu ultrapassar o impasse na governação e o rei deu posse, há menos de quatro semanas, a um novo Governo de direita de Mariano Rajoy (PP).
E essa união de esforços deve ser feita na União Europeia, na NATO, no Conselho da Europa, na UIP [União Inter-parlamentar], no espaço ibero-americano, nas Nações Unidas, enumerou Ferro Rodrigues. “A união faz a força!”, frisou. Porque “precisamos, mais do que nunca, de organizações internacionais fortes e credíveis”.
Inimigos, amigos e aliados
As referências históricas, mais longínquas ou mais recentes, marcaram, a passo, o discurso. “São, pois, séculos de percursos comuns; conflituosos no passado, convergentes no presente e certamente também no futuro”, afirmou Ferro Rodrigues. Recordando a visita do rei Juan Carlos ao Parlamento há 16 anos, o presidente da AR disse que muito mudou nos dois países, na Europa e no mundo – o “ambiente estratégico internacional” é agora condicionado pelo terrorismo, proliferam os Estados falhados, as guerras civis e o drama dos refugiados, cresce o problema do aquecimento global.
Também aqui, nestes “problemas globais e desafios comuns”, se exige uma “resposta global” e uma maior cooperação entre os Estados. A mesma a que se deve recorrer no seio da União Europeia depois da resposta “tardia e insuficiente” das instituições à enorme crise financeira e das dívidas soberanas que deixou de rastos as economias dos Estados-membros – com Portugal e Espanha entre os mais afectados –, mas também os seus sistemas políticos, sociais e financeiros.
“Estivemos unidos na condenação da hipótese de sanções contraproducentes e injustas aos nossos países” por ambos terem excedido os limites do défice permitidos por Bruxelas, realçou Ferro Rodrigues, e sublinhou que os dois países têm das opiniões públicas “mais favoráveis ao projecto de construção europeia”. E acrescentou: “Temos a autoridade e o dever de batalhar em conjunto para que a União Europeia volte a ser o factor de paz e desenvolvimento de que o mundo precisa.”
O medo de Cervantes
Citou Cervantes – “um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos e fazer que as coisas não pareçam o que são” – para alertar que o medo “é hoje o motor do proteccionismo, da xenofobia e do isolacionismo”, os “mais sérios desafios” ao mundo actual. Que devem ser combatidos em conjunto.
“Saibamos colocar a globalização e a União Europeia ao serviço das pessoas, sem perder de vista que o isolamento, o proteccionismo, o regresso às fronteiras do passado não são uma opção para quem defende a sério a paz e a prosperidade.”
Ferro Rodrigues haveria de lembrar as lutas fronteiriças, dizendo que a “fronteira que em tempos antagonizou” os dois Estados “é agora factor de aproximação”: por exemplo, nas relações comerciais e económicas potenciadas pela entrada em simultâneo dos dois países da então CEE; na cooperação científica e cultural. “Saibamos pois, como países amigos que somos, moderno exemplo de sã convivência, identificar aquilo que nos une, mobilizar os nossos povos para juntar as forças necessárias para que das relações entre as diferentes nações resulte um mundo melhor.”
“Nada do que se passa em Espanha nos é indiferente. Nada do que se passa em Portugal vos é estranho”, vincou Ferro Rodrigues, lembrando a questão geográfica, a par da económica e política. “Nunca coexistiram nos nossos países regimes políticos de natureza muito diferente durante muito tempo, tal é a intensidade da influência mútua”, como aconteceu com o 25 de Abril em Portugal, que abriu a vaga de democratização que se alargou a Espanha, onde ainda vigorava o franquismo.