Quem me dera não ser assessor

Nunca fiz uma entrevista nem pedi emprego, não foi preciso, porque emprego tive-o sempre, mesmo sem querer, e para mal dos meus pecados, porque o que eu queria mesmo era viver à custa dos papás e feliz para sempre

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Unsplash/Pixabay

Quem me dera não ser assessor e não ter um tacho à custa dos amigos, das mães e dos pais. Quem me dera não ser assessor e ter trabalho, daquele à séria, a recibos, sem contracto, sem férias, subsídio de doença ou almoço, onde o dinheiro nunca chega ao fim do mês e muito menos aos 300 euros. Quem me dera, talvez soubesse então o que custa a vida e desse o devido valor ao trabalho, lutando por direitos e uma remuneração que se veja, lado a lado com os meus pares.

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Quem me dera não ser assessor e não ter um tacho à custa dos amigos, das mães e dos pais. Quem me dera não ser assessor e ter trabalho, daquele à séria, a recibos, sem contracto, sem férias, subsídio de doença ou almoço, onde o dinheiro nunca chega ao fim do mês e muito menos aos 300 euros. Quem me dera, talvez soubesse então o que custa a vida e desse o devido valor ao trabalho, lutando por direitos e uma remuneração que se veja, lado a lado com os meus pares.

Ao invés, caiu-me tudo no colo, o salário chorudo, o chofer, o carro, os filhos com colégio pago e a mulher em Cascais à beira-mar sem se chatear. Nunca fiz uma entrevista nem pedi emprego, não foi preciso, porque emprego tive-o sempre, mesmo sem querer, e para mal dos meus pecados, porque o que eu queria mesmo era viver à custa dos papás e feliz para sempre. Mas não, e se ainda não tive tal sorte, por outro lado não perdi a esperança e um dia, quem sabe, lá hei-de chegar quando chegar a altura de tudo herdar.

Até lá faço de conta. Faço de conta que tenho uma licenciatura, faço de conta que trabalho, faço de conta enquanto saio todos os dias de manhã e volto todos os dias à noite, consciente de como conquanto os meus paizinhos me obrigarem a trabalhar não terei a oportunidade de ver os meus filhos crescer, e por isso não perdôo e não esqueço esta obrigação (vê lá, filho, que até parece mal, o que vão os vizinhos dizer?), esta humilhação de ter de me levantar dia após dia para "trabalhar".

E por isso nem consigo acreditar na felicidade do Rui e do Nuno, e agora da Carla e do Pedro, cujas licenciaturas inexistentes são o garante não só da sua exoneração mas também de umas merecidas férias. Aliás, a Carla até já me mandou um ”instagram“ de Ibiza ao lado do Pedro só para fazer inveja. E por isso já ando na ponta dos pés, acabei ainda agora de enviar um email, daqueles anónimos, para os jornais e pode ser que seja desta e eu seja o próximo a ir para casa! Mal posso esperar, e eu nem quero ver a cara que a mãezinha vai fazer!