Combates e fome aceleram êxodo do Leste de Alepo
Mais de 50 mil pessoas já terão deixado a zona controlada pelos rebeldes. Líder da administração rebelde pede ao Governo sírio que crie corredores seguros para a fuga.
Mais de 50 mil pessoas das 250 mil que se calculava estarem nos bairros controlados pela oposição síria no Leste de Alepo fugiram da zona nos últimos quatro dias, segundo uma estimativa do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, que denunciou também que centenas de homens que ali residiam foram detidos pelo Exército sírio – informação desmentida por Damasco.
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Mais de 50 mil pessoas das 250 mil que se calculava estarem nos bairros controlados pela oposição síria no Leste de Alepo fugiram da zona nos últimos quatro dias, segundo uma estimativa do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, que denunciou também que centenas de homens que ali residiam foram detidos pelo Exército sírio – informação desmentida por Damasco.
De acordo com a organização, que conta com uma rede de activistas no país, cerca de 20 mil dos deslocados fugiram para os bairros conquistados desde sábado pelo Exército, de onde foram transferidos em autocarros e camiões para áreas controladas pelo Governo – um número idêntico à estimativa avançada na véspera pelo Comité Internacional da Cruz Vermelha. Outros 30 mil terão chegado ao Bairro de Sheik Maqsoud, um enclave no Norte da cidade controlado pela guerrilha curda.
Uma fuga precipitada pelo avanço rápido das forças governamentais, que em poucos dias conquistaram 40% dos bairros que a oposição síria controlava desde o Verão de 2012. Mas também pela escassez que sobrou de quatro meses de cerco e pelos intensos ataques aéreos que têm aberto caminho aos militares no terreno.
“Os obuses caem como chuva, não podemos pôr o nariz fora de casa”, contou um jornalista da AFP que se mantém nos bairros controlados pela oposição, dizendo ter visto o corpo de uma menina na rua, vítima de um morteiro. Num bairro vizinho, um ataque da artilharia matou 26 civis, segundo informações do Observatório. “Houve outro massacre, eu assisti. Eram deslocados que estavam a chegar, cerca das 6h30. Os obuses caíram quando eles vinham a andar na rua”, disse à Reuters Aref al-Aref, um enfermeiro que permanece na zona.
Há notícias contraditórias também sobre a situação no Bairro de Sheik Saeed, no Sudoeste da cidade. O Exército assegurou que conquistou praticamente toda a área, mas a rebelião diz que os seus combatentes conseguiram repelir o assalto.
Entretanto, no Oeste da cidade, pelo menos oito pessoas, incluindo duas crianças, foram mortas por rockets disparados pelos rebeldes a partir do Leste, noticiou a agência Sana, citando fontes policiais.
Rússia disposta a escoltar agências humanitárias
A situação dos civis na metade Leste da cidade é “alarmante e assustadora”, disse terça-feira Stephen O’Brien, coordenador das operações humanitárias da ONU, explicando que “as reservas alimentares já praticamente se esgotaram” e não há um único hospital funcional. Já nesta quarta-feira, a porta-voz do Programa Alimentar Mundial (PAM), Bettina Luescher, descrevia a situação no Leste de Alepo como “uma lenta descida ao Inferno”.
Horas antes de uma reunião do Conselho de Segurança, pedida pela França, para discutir a situação na cidade, a principal coligação da oposição síria enviou uma carta a Nova Iorque exigindo à ONU que “adopte imediatamente medidas para proteger os civis e pôr fim à bárbara ofensiva desencadeada contra eles”.
A Rússia, principal aliado do Presidente Bashar al-Assad, retribui as acusações, afirmando que os grupos rebeldes estão a impedir a saída dos civis, a fim de os usar como escudos humanos. Serguei Rudskoi, porta-voz do Ministério da Defesa russo, garantiu também que as suas forças no país estão disponíveis para escoltar as agências das Nações Unidas e outras organizações humanitárias até aos bairros reconquistados, mas não receberam ainda qualquer solicitação nesse sentido. Acrescentou que o Exército sírio terminou as operações em redor da Estrada do Castello, o que permitirá o envio “sem restrições” de ajuda humanitária para a zona.
Detenções
Dando força a informações que circulam nos últimos dias, o Observatório disse ter recebido relatos de que as forças governamentais estão a “deter e a interrogar centenas de pessoas” que fugiram das zonas controladas pelos rebeldes. Questionado pela Reuters, uma fonte do Exército sírio rejeitou a acusação. Diz que os militares se limitam a controlar a identidade dos civis em fuga, a fim de detectar combatentes infiltrados e que as pessoas “desconhecidas” estão a ser colocadas em “locais específicos” nas áreas onde foram encontradas.
O presidente da administração criada no Leste de Alepo depois de a zona ter sido tomada pela rebelião, Brita Hagi Hassan, lançou nesta quarta-feira um apelo desesperado ao regime para que proteja e deixe sair os civis das zonas de combate, “assegurando um corredor seguro para todos os que queiram partir”. Impedido de regressar a Alepo desde Julho, quando o Exército completou o cerco ao Leste da cidade, o dirigente alega que “nos bairros tomados pelo regime e pelas milícias iranianas há execuções sumárias, ajustes de contas e todos os homens com menos de 40 anos são presos”.
O Exército sírio garante, por seu lado, que continua disposto a deixar que os combatentes abandonem a cidade em direcção à província de Alepo, controlada por uma aliança liderada por jihadistas e salafistas – uma proposta até agora recusada pela rebelião.