Domingues bate a porta aos políticos, mas deixa plano duro ao sucessor

A condição de Domingues para ficar e ceder num dos pressupostos para a sua indigitação era de que o accionista o protegesse da disputa política. Mas o voto do Bloco, que se uniu ao PSD e CDS para mudar a lei e integrar a CGD no Estatuto de Gestor Público, foi a gota de água que fez entornar a Caixa.

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O plano de reestruturação que Domingues fez aprovar será, agora, entregue a quem o suceder Miguel Manso

António Domingues sai da Caixa a 31 de Dezembro, mas deixa pronto um difícil plano para o futuro do banco. O PÚBLICO confirmou que o Conselho de Administração aprovou na semana passada os planos de negócio e de reestruturação do banco público, que Domingues tinha previsto apresentar publicamente esta quarta-feira.

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António Domingues sai da Caixa a 31 de Dezembro, mas deixa pronto um difícil plano para o futuro do banco. O PÚBLICO confirmou que o Conselho de Administração aprovou na semana passada os planos de negócio e de reestruturação do banco público, que Domingues tinha previsto apresentar publicamente esta quarta-feira.

Mas pelo meio meteu-se a política. Com o Presidente da República e os partidos na Assembleia a exigir a apresentação das declarações de património, Domingues reuniu-se com António Costa em São Bento há três semanas, onde alertou o primeiro-ministro para a necessidade de ele e o Presidente da República abrirem caminho a uma despolitização da Caixa. Ao que soube o PÚBLICO, o gestor terá convencido a maioria dos seus administradores a procederem à formalidade. Mas acabou surpreendido por uma "coligação negativa" na Assembleia que, na opinião de Domingues, deixaria a Caixa sob permanente ameaça de interferência política.

A condição de Domingues para ficar e ceder num dos pressupostos para a sua indigitação era de que o accionista o protegesse da disputa política. Mas o voto do Bloco, que se uniu ao PSD e CDS para mudar a lei e integrar a CGD no Estatuto de Gestor Público, foi a gota de água que fez entornar a Caixa. "Não havia condições para gerir o banco, sob ameaça de coligações negativas que rebentavam com tudo", ouviu o PÚBLICO de uma fonte envolvida no processo. A sequência lógica, tal como Domingues a explicou ao Governo e ao Presidente, veio na sexta-feira: a demissão imediata, antes que todo o processo de recapitalização da Caixa se iniciasse formalmente, evitando uma crise mais do que certa (no entender dos gestores) a meio desse processo.

Plano pronto a ser lançado

O plano de reestruturação que Domingues fez aprovar será, agora, entregue a quem o suceder. Pode ser alterado, anota fonte da Caixa. Mas, sendo condição para a recapitalização negociada com Bruxelas e Frankfurt, não será fácil de implementar, implicando rescisões com trabalhadores, fecho de balcões dentro e fora do país.

Em causa está a injecção de fundos que pode ultrapassar os cinco mil milhões, valor que está dependente do fecho das contas da Caixa de 2016 e que vão ser ainda carimbadas pela equipa de António Domingues. A primeira parte da operação pode ser executada já nos próximos dias, bastando para isso uma decisão do Governo: trata-se da conversão dos CoCo’s de 960 milhões de euros em capital e da transferência das acções da Parcaixa no valor de 500 milhões de euros. 

O resto do plano de recapitalização é que terá que esperar pela próxima administração. Desde logo a emissão obrigacionista de mil milhões de euros (para privados), condição imposta por Bruxelas para que a operação não seja classificada como um auxílio público. A operação é sensível, porque para que os investidores respondam positivamente, terão de acreditar na estratégia de capitalização e ter a certeza que a direcção-geral da Concorrência da Comissão Europeia, a DGCom, a aceita. Só depois disso poderá vir o restante montante, via Estado português.

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Plano duro para Bruxelas crer

Se a aprovação prévia por parte de Bruxelas, ao plano negociado nos últimos nove meses com António Domingues, torna pouco expectável uma reversão da posição europeia, o regresso do tema Caixa ao universo partidário pode recriar as desconfianças. No sector bancário, o receio maior é que a DGcom alegue que o objectivo de garantir que a gestão está a salvo da influência do poder político, ficou, agora, comprometido.

Daí que Bruxelas, tenda a olhar com redobrada atenção para os nomes dos próximos gestores da CGD, que terão de ser credíveis. Mas será o BCE a ter a palavra principal. O banco central afirmou ao PÚBLICO, através do seu gabinete de imprensa, que aguarda com expectativa a recepção da proposta completa para o conselho de administração, de modo a concluir a adequada avaliação, que é uma obrigação legal”.     

Os planos de negócio e de reestruturação são a base do programa de capitalização, e devem conduzir a CGD a uma situação lucrativa que não culmine em nova necessidade de fundos. E que permita ao banco público cumprir os requisitos do BCE e remunerar o accionista. É tudo isto que Domingues deixa preparado quando sair da instituição.

O primeiro plano estabelece os meios e as metas de crescimento, os níveis de riscos e de imparidades, enquanto o segundo aponta para o redimensionamento da organização, os cortes nos recursos humanos e a redução da rede comercial. Tem sido escrito que parte da capitalização, cerca de 700 milhões de euros (500 milhões, a que se pode juntar mais 200 milhões), está reservada a gastos com rescisões por mútuo acordo e reformas antecipadas, em Portugal e no estrangeiro. E que os cortes podem chegar aos 2500 trabalhadores até 2019. Com S.A.