Fillon ou Juppé? Marine Le Pen está à espera
Todos apostam na vitória do muito conservador François Fillon na segunda volta das primárias do centro-direita em França. Será uma forma de enfraquecer Le Pen ou de levá-la a furar pela esquerda?
Oito milhões de telespectadores assistiram ao último debate entre Alain Juppé e François Fillon, que disputam hoje a segunda volta das primárias que decidirá quem vai ser o candidato do centro-direita às eleições presidenciais francesas de Abril de 2017. Todos apostam que caberá ao vencedor enfrentar Marine Le Pen, o rosto da França eurocéptica e anti-imigração, agora vista como a vanguarda do fenómeno Trump na Europa.
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Oito milhões de telespectadores assistiram ao último debate entre Alain Juppé e François Fillon, que disputam hoje a segunda volta das primárias que decidirá quem vai ser o candidato do centro-direita às eleições presidenciais francesas de Abril de 2017. Todos apostam que caberá ao vencedor enfrentar Marine Le Pen, o rosto da França eurocéptica e anti-imigração, agora vista como a vanguarda do fenómeno Trump na Europa.
Alain Juppé, que se apresenta como “um liberal social”, capaz de unir “um país rico na sua diversidade”, está em clara perda, embora se tenha esforçado por contra-atacar Fillon. As primárias da direita, alertou, são na verdade “a primeira volta das eleições presidenciais”, afirmou. Porque os socialistas continuam fracturados por guerras internas, sem um candidato que reúna a esquerda.
Uma grande incógnita é a participação: estima-se que cerca de 500 mil dos quatro milhões de eleitores que votaram na primeira volta das primárias do centro-direita eram de esquerda. Sairão de novo de casa, contra Fillon, que se revelou um político hiperconservador, disposto a aplicar uma “terapia de choque” em França, inspirada nas usadas na América Latina ou na Europa de Leste?
A direita francesa – e alguma extrema-direita – descobriram em Fillon um candidato em que se podia rever. Socialmente conservador, admirador de Margaret Thatcher e com um programa económico saído da década de 1980, quer acabar eliminar o emprego de 500 mil funcionários públicos, e compensar forçando todos a trabalhar mais.
Juppé, o candidato mais velho (71 anos, contra os 60 de Fillon), é moderado pela experiência de ter enfrentado em 1995 greves gerais que paralisaram o país, quando foi primeiro-ministro do Presidente Jacques Chirac e tentou impor alterações à Segurança Social. Disse ser “impossível obrigar os franceses a trabalhar mais para ganhar menos”.
Mas Fillon diz-se disposto a “passar por cima dos sindicatos”, talvez a governar por decreto. As centrais sindicais respondem-lhe com promessas de guerra. Jean-Claude Maily, secretário-geral da Força Operária, criticou “a sua faceta liberal e autoritária”.
Fillon não está a fazer propostas de diálogo. No último debate, recusou-se a aceitar que França seja uma sociedade multicultural. “França tem uma história, uma língua, uma cultura, e essa história e essa cultura são enriquecidas por contribuições da população estrangeira, mas não escolhemos o multiculturalismo.”
Insiste que a interrupção voluntária da gravidez não é um direito fundamental das mulheres, e é contra o casamento para os homossexuais. Quer alterar a lei do “casamento para todos”, de 2013, para impedir que os casais gay possam fazer adopções plenas. “Proponho um texto que fixe o princípio de que uma criança é sempre o fruto de um pai e uma mãe”, declarou.
Entre as duas voltas, Juppé tentou atacar Fillon por causa destas ideias. Classificou-o como “um tradicionalista” e “um retrógrado”. “Não peço desculpa por ter valores”, respondeu Fillon quando Juppé lhe chamou um “conservador da Idade Média”.
Apoio da extrema-direita
Durante a última semana, Juppé teve de jogar com cartas viciadas. Se não fosse agressivo face a Fillon, daria razão aos que o acusavam de ser “mole” – o mesmo adjectivo usado pelos adeptos do então Presidente Nicolas Sarkozy contra François Hollande, em 2012. E ao tentar ser mais combativo, quando lhe chamavam até “Ali Juppé”, lançando a suspeita de que era demasiado suave com terroristas, chocou os correligionários de direita. Houve um artigo no Le Figaro, assinado por deputados de direita, a apelar ao voto em Fillon e a condenar Juppé.
Fillon atraiu o apoio de várias figuras da extrema-direita. Patrick Buisson, intelectual que foi a “eminência parda” da viragem à direita de Sarkozy, classificou a vitória de Fillon como “um momento histórico”. “Estamos a assistir ao que chamo a revolução conservadora”, afirmou.
Face a um rival inesperado, Marine Le Pen e o seu partido estão a rever a estratégia. Fillon representa uma forte ofensiva no campo dos valores – uma área em que a FN se divide, com uma Marine Le Pen mais liberal e a sua sobrinha, Marion Le Pen, bastante mais conservadora, próxima dos meios católicos e das ideias de Fillon.
A economia é um grande problema para a FN: o partido de extrema-direita quer tirar a França da moeda única, mas tudo o resto é nebuloso. No entanto, a ofensiva capitalista e liberal de Fillon pode favorecer Marine Le Pen, que clama sonoramente contra a globalização. Aliás, o feudo eleitoral que conquistou para si é no Norte do país, em zonas operárias afectadas pela desindustrialização. Le Pen pode até surgir nestas eleições como a grande defensora dos trabalhadores.
“Em todas as categorias socioprofissionais, o crescimento das desigualdades nas zonas urbanas produz uma forte abstenção, uma progressão do voto da FN e uma baixa do voto social-democrata”, disse o historiador Nicolas Lebourg, da Universidade de Montpellier, à revista do PS Regards sur les droites. “Não é sendo ‘firme sobre o islão’ nem ‘condenando o racismo’ que se faz uma oposição estrutural à FN: o mais importante é uma política de igualdade.”