Economia italiana: a “bomba-relógio” começou a contar há muito
Problemas crónicos da economia sobressaem quando se antecipa instabilidade política. Dívida pública gigante, baixo crescimento e fragilidade da banca adensam preocupações sobre o país – e a zona euro.
Quando há cinco anos a Itália procurava aplacar o nervosismo dos mercados e travar uma crise de liquidez, a Europa precisava de estancar a hemorragia da crise das dívidas soberanas para evitar o contágio à terceira economia da moeda única. O colapso foi evitado com a ajuda do Banco Central Europeu (BCE), a economia italiana voltou a crescer, mas os problemas crónicos não desapareceram: o PIB está praticamente estagnado desde a entrada no euro, a produtividade é um problema, a dívida pública é gigante e o sistema financeiro débil.
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Quando há cinco anos a Itália procurava aplacar o nervosismo dos mercados e travar uma crise de liquidez, a Europa precisava de estancar a hemorragia da crise das dívidas soberanas para evitar o contágio à terceira economia da moeda única. O colapso foi evitado com a ajuda do Banco Central Europeu (BCE), a economia italiana voltou a crescer, mas os problemas crónicos não desapareceram: o PIB está praticamente estagnado desde a entrada no euro, a produtividade é um problema, a dívida pública é gigante e o sistema financeiro débil.
A cada momento de instabilidade política que parecer vir a caminho, cresce o medo de que a “bomba-relógio” rebente ou que, pelo menos, recomece a contagem decrescente. O que seria, para a zona euro, lidar com uma crise tendo como epicentro um país com uma dívida pública de 2,2 milhões de milhões de euros, equivalente a 133% do PIB, e um sistema financeiro com necessidades de capital que, segundo a Bloomberg, se aproximam dos 40 mil milhões de euros? Se a terceira economia da zona euro treme, é a própria moeda única que treme.
A gestão de uma economia com as características da italiana deixa os investidores receosos do eventual “caos político” no pós-referendo à reforma constitucional. Nem o BCE esconde que, depois do “Brexit” e da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, a incerteza política coloca a zona euro numa situação de maior instabilidade financeira. Mas há também quem desdramatize, lembrando que os investidores estão habituados à instabilidade crónica de Itália e que a zona euro de 2016 não é a zona euro de 2011.
Para já, a economia italiana continua com um crescimento modesto. No terceiro trimestre, o PIB avançou 0,3% em relação aos meses anteriores e 0,9% face ao período homólogo. A Comissão Europeia prevê o consumo a progredir, o investimento a melhorar e o desemprego a baixar. Mas na frente orçamental, o braço-de-ferro entre Roma e Bruxelas em relação à redução do défice para 2017 não ajuda à percepção de estabilidade.
Terceiro episódio?
Analistas admitem que, se o “não” vencer e o primeiro-ministro Matteo Renzi se demitir, se abra um vazio de poder e, com isso, uma crise política com consequências económicas imprevisíveis para toda a zona euro, num momento em que são conhecidas as “vulnerabilidades” da banca italiana (e portuguesa). Teme-se uma queda de acções dos bancos, um enfraquecimento do euro e uma escalada nos juros da dívida (que têm vindo a subir para vários países e que em Novembro colocaram os títulos italiano no valor mais alto num ano).
Depois do “Brexit” e da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, “estão os mercados preparados para o próximo episódio?”, interrogavam-se na última semana Alberto Chiandetti, e Andrea Iannelli, analistas do grupo Fidelity International.
Wolfgang Münchau, colunista do Financial Times, resumia há dias como a Europa pode acordar na manhã de 5 de Dezembro sob a ameaça real da desintegração da moeda única: no caos político, os investidores concluiriam que “o jogo acabou”; uma sucessão de acontecimentos traria à tona as causas económicas subjacentes e esse poderia ser o primeiro passo para se questionar a presença de Itália na zona euro.
Para Alessio Terzi, investigador italiano no grupo de reflexão de Bruegel, sedeado em Bruxelas, se “o voto no ‘Brexit’ e em Trump têm grandes implicações imediatas a nível económico, a percepção em relação ao referendo é que não tem implicações directas”. O que se teme, diz ao PÚBLICO o investigador italiano a partir da Universidade de Harvard, são as consequências da instabilidade política. “Mas penso que não haverá um pânico financeiro e não voltaremos a uma situação de crise como a de 2011 se no dia 5 acordarmos com a notícia de que a reforma constitucional chumbou”.
Há porém quem pense que, em termos económicos, o resultado do referendo vem “definir o tom para 2017” para a própria Europa, como sublinha Wolf von Rotberg, do Deutsche Bank, citado pelo Wall Street Journal.
Problemas na banca
O Governo de Renzi negociou com Bruxelas a criação de um veículo privado para adquirir os activos problemáticos dos bancos; o momento que o sistema financeiro atravessa é delicado.
O primeiro e terceiro maiores bancos de Itália preparam-se para reforçar os rácios de capital e as próximas semanas podem ser decisivas. O plano de capitalização do Unicredit deverá ser conhecido a 13 de Dezembro; e o Monte dei Paschi di Siena (o banco mais antigo do mundo em actividade) vai iniciar a operação de aumento de capital até 5000 milhões de euros três dias depois do referendo.
Do ponto de vista económico, os problemas estão há muito latentes e o mais evidente começa no desempenho económico débil de Itália desde a adesão à união económica em 1999 (o crescimento médio anual desde então até 2015 foi de 0,3%). Para Alessio Terzi, os dois principais problemas do país são o baixo crescimento económico, a dívida nos 133% do PIB e a “baixa produtividade”. “Num contexto de baixa inflação, uma situação de dívida pública elevada e baixo crescimento torna-se difícil fazer a quadratura do círculo”.
Münchau lembrava no FT que “a produtividade total dos factores, a parte da produção económica não explicada pelo trabalho e pelo capital, caiu em Itália cerca de 5%” desde a adesão à moeda única, quando nas duas maiores economias, Alemanha e França, “aumentou cerca de 10%”.
Itália já entrou no euro com uma dívida pública superior a 100% e, depois de 2007, a trajectória do endividamento foi ascendente. Em 2015, a dívida já chegava aos 132% do PIB e este ano deve tocar nos 133%, segundo a previsão da Comissão Europeia.