O turismo pode trazer problemas, mas Lisboa e Porto não o reconhecem
Autarcas criticados por pouco ou nada fazerem para impedir a descaracterização das cidades num debate sobre património organizado pelo Icomos, no Porto
O mote era a classificação do Porto como património da Unesco, há 20 anos. Mas mais do que festejar a data, a comissão portuguesa do Icomos - Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios queria debater “O Processo de Turistificação de uma Cidade Património Mundial” e o que na tarde desta sexta-feira se ouviu, no Ateneu Comercial do Porto, foi uma denúncia dos efeitos nefastos do turismo de massas no Porto e em Lisboa, acompanhadas por um apelo aos autarcas das duas cidades, para que tomem consciência destes impactos e promovam medidas para os mitigar. Medidas essas que já serão, em muitos aspectos, apenas reactivas, alertou o sociólogo João Queiroz.
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O mote era a classificação do Porto como património da Unesco, há 20 anos. Mas mais do que festejar a data, a comissão portuguesa do Icomos - Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios queria debater “O Processo de Turistificação de uma Cidade Património Mundial” e o que na tarde desta sexta-feira se ouviu, no Ateneu Comercial do Porto, foi uma denúncia dos efeitos nefastos do turismo de massas no Porto e em Lisboa, acompanhadas por um apelo aos autarcas das duas cidades, para que tomem consciência destes impactos e promovam medidas para os mitigar. Medidas essas que já serão, em muitos aspectos, apenas reactivas, alertou o sociólogo João Queiroz.
O arquitecto Pedro Bismark, outro dos convidados para esta sessão, elencou na sua intervenção “treze tristes teses sobre o turismo”, sendo uma delas a de que o turismo, na sua voracidade, destrói aquilo de que se alimenta, seja ela a autencidade social, arquitectónica ou outra, de um lugar. Num artigo de opinião no PÚBLICO, A coordenadora deste encontro, Maria Ramalho, já tinha alertado que, depois de ter destruído frentes de mar por esse país fora, o ímpeto turístico - que não dissocia do imobiliário - está a atingir o coração das cidades, principalmente das mais antigas e acessiveis por meios de deslocação low-cost, a uma velocidade “estonteante”. Ao contrário de Veneza ou Barcelona, onde os problemas se foram agudizando ao longo de anos e anos, estamos numa fase em que tudo acontece mais rapidamente, insistiu.
O sociólogo João Queiroz aludiu às dificuldades que se colocam a quem, como ele, pretenda investigar os impactos do turismo num dado território. Dificuldades que se prendem com o défice de financiamento do sistema científico mas também, vincou, com a inexistência de dados estatísticos acualizados, que permitam uma leitura atempada de alguns indicadores. O Censos 2011 já lá vai há cinco anos, mas, avisou, 2021 pode ser tarde demais para reverter alguns efeitos, como o afastamento de populações de menores recursos económicos dos centros históricos, situação já reportada em Setembro em Alfama, Lisboa, pelo presidente da Junta de Santa Maria Maior.
O governo já anunciou que vai aumentar a carga fiscal do alojamento local, como forma de eliminar uma vantagem competitiva deste tipo de negócio face ao alojamento de longa duração. Os proprietários têm respondido ao aumento da procura de quartos e casas em zonas históricas, e segundo João Queiroz, o peso da oferta de apartamentos para o conhecido site de alojamento Airbnb é maior na zona histórica do porto do que resto da cidade, havendo queixas de moradores de aumento de preços de bens essenciais vendidos no comércio local. E a isto acrescentou, soma-se o já conhecido aumento do preço das rendas e do custo dos imóveis para venda que contribuem para um efeito de mudança do tecido social destes espaços históricos.
“O problema é que, como o PIB cresce por causa do turismo, não se pode criticar isto, sem se ser olhado de lado”, atirou Maria Ramalho, insistindo que no país, e principalmente nas duas cidades mais sujeitas a esta pressão, a crítica deve transformar-se num movimento, sob pena de ser inconsequente. Na plateia, entre as mais de duas dezenas de pessoas que assistiram ao debate, somaram-se os apelos à actuação reguladora do poder político.
Um dos presentes, o arquitecto Pedro Figueiredo, argumentou que o problema se resolve com políticas urbanas que passam por deixar de usar fundos públicos e comunitários para apoiar novos hóteis que surgem a partir de “uma reabilitação de fachada, que deixa carapaças e faz demolição do interior de quarteirões inteiros”, desviando esse dinheiro para habitação a custos controlados. Por outro lado, acrescentou, é possível dialogar com as plataformas de alojamento e, tal como está a ser testado em Nova Iorque, exigir que só seja possível alocar para o airbnb um apartamento por pessoa. E, do ponto de vista do licenciamento, introduzir aspectos de natureza social nos regulamanentos, para controlar o movimento de transformação de casas que serviriam para famílias em T0 que apenas têm em vista o arrendamento a turistas.
Entre os presentes ouviram-se preocupações com o risco de perda de autenticidade das duas cidades, fenómenos que, noutros países têm gerado também discussão a ponto de, em Barcelona, ter sido aprovada uma moratória ao licenciamento de novos empreendimentos hoteleiros. A arquitecta grega Antigoni Geronta, que está a fazer doutoramento na capital da Catalunha, trouxe ao debate as polémicas em torno dos planos de desenvolvimento para áreas históricas, como a Barceloneta, ou, o bairro piscatório de Cabanyal, em Valencia, que geraram tensões e movimentos de defesa do direito das populações locais à cidade, à sua cidade. Cidade essa que é, no fundo, a que os turistas querem visitar, quando lhes é vendido, num folheto, a promessa da autenticidade de um lugar, ainda que, na superficialidade da visita, lhes seja oferecido um simulacro, como assinalou outros dos convidados, o arquitecto Rui Gilman.