Para além da violência doméstica: a história de Joy

O tráfico de seres humanos com finalidade de exploração sexual constitui das formas de violência de Género mais brutais e traumatizantes para a vítima. É um delito que atenta contra a vida, a segurança e a liberdade das pessoas

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ninocare/Unsplash

Joy chegou cansada à entrevista que tinha comigo. Eram 10 da manhã e ainda nao tinha ido a casa dormir. Tinha passado a noite atrás de potenciais clientes que estivessem dispostos a pagar 20 euros por uma relação sexual fortuita numa esquina da cidade ou num quarto de uma pensão. Joy diz ter 21 anos mas a vida que já viveu não parece caber em tão poucos anos. Com uma dívida de 50 mil euros para pagar a quem lhe patrocinou a precária viagem entre a Nigéria e a Europa, ela alcançou a terra prometida mas ainda não vive o sonho que idealizou.

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Joy chegou cansada à entrevista que tinha comigo. Eram 10 da manhã e ainda nao tinha ido a casa dormir. Tinha passado a noite atrás de potenciais clientes que estivessem dispostos a pagar 20 euros por uma relação sexual fortuita numa esquina da cidade ou num quarto de uma pensão. Joy diz ter 21 anos mas a vida que já viveu não parece caber em tão poucos anos. Com uma dívida de 50 mil euros para pagar a quem lhe patrocinou a precária viagem entre a Nigéria e a Europa, ela alcançou a terra prometida mas ainda não vive o sonho que idealizou.

Com 17 anos, sem estudos nem um projecto de futuro que lhe permitisse sair da pobreza, foi aliciada por um conhecido a viajar à Europa, com a promessa de encontrar trabalho e juntar dinheiro que pudesse enviar à sua família para ajudar a romper o ciclo de pobreza no qual nasceu. Passou quatro meses a atravessar o continente africano em autocarros e a pé, muitas vezes sem comida ou água, sofrendo agressões sexuais e psicológicas e sonhando que um dia a vida lhe sorriria.

Depois de vários meses a pedir esmola na Líbia para sobreviver, foi acordada uma noite para entrar no barco superlotado que a levaria a atravessar o Mediterrâneo em direcção a Itália, entre outros migrantes e solicitantes de asilo. Europa, a terra prometida onde acreditava ser real a metáfora de que o dinheiro cresce nas árvores, revelou-se uma terra hostil, onde se falava outra língua, onde não ter documentos a expunha a ser deportada, onde tinha que vender sexo nas ruas da cidade para pagar uma dívida que não conhecia antecipadamente e que demoraria três anos a pagar. Joy viu-se numa teia de enganos e falsas promessas onde intervêm vários actores que compõem redes de crime organizado, capazes de ameaçar e levar a cabo agressões aos seus familiares quando ela recusa prostituir-se ou pagar a sua elevada dívida. A crença no poder do vudu e os juramentos rituais feitos na Nigéria, que a obrigam a continuar a pagar esta dívida sob a ameaça de sofrer as consequências do mundo espiritual, fecham o círculo da sua realidade na Europa, onde a sua história é invisível.

Joy está em Barcelona, em Oslo, em Turim, no Dubai, em Joanesburgo e em Lisboa. Há milhares de Joys que são traficadas cada ano para ser exploradas sexualmente noutros países, sofrendo vulnerações de muitos dos Direitos Humanos básicos mas, principalmente, vendo-lhes negado o direito a viver sem violência estabelecido pela Declaração sobre a Eliminação da violência contra as mulheres da ONU.

O tráfico de seres humanos com finalidade de exploração sexual constitui das formas de violência de Género mais brutais e traumatizantes para a vítima. É um delito que atenta contra a vida, a segurança e a liberdade das pessoas, incluindo várias formas de violência não só física mas também expressa pela via de ameaças, coacções, violações, engano, aproveitamento de situação de vulnerabilidade e abuso de poder. Uma das características deste delito é a sua alta feminização, afectando principalmente mulheres de zonas pobres do Globo em busca de estratégias migratórias que acabam por revelar-se como uma nova expressão da escravidão no mundo contemporâneo.

No dia em que se assinala a luta pela eliminação da violência contra as mulheres é importante divulgar que o tráfico humano com finalidades de prostituição forçada é uma forma mais da violência de Género que convive connosco nas nossas cidades sem que estejamos atentos à sua realidade.

A última vez que vi a Joy, como sua assistente social, acompanhei-a a uma escola de formação em cozinha. Espero ver abrir daqui a uns tempos um restaurante nigeriano na minha cidade.