Nostalgia de 2007: as Gilmore Girls vão seguir-nos para onde formos
A série que não esperou nem uma década para ter uma nova vida chega esta sexta-feira ao Netflix. É um culto sentimental e uma realidade aumentada em que até Norman Mailer, Madeleine Albright e os Sonic Youth entraram.
A força da nostalgia na cultura actual é tal que já não se contenta com recuos de décadas – é possível ter saudades de um lugar onde se foi feliz em 2007 e o Netflix aproveitará isso esta sexta-feira. Desta vez, a retromania vive numa cidadezinha de livro de histórias da América, aninhada entre o ideal da relação mãe-filha e a chuva de cultura pop respeitável. Gilmore Girls parecia só mais um drama familiar, particularmente adoçado para o palato feminino e para a middle America de que agora tanto se fala. Mas tornou-se um fenómeno global que atraiu Norman Mailer, Madeleine Albright ou os Sonic Youth para a sua teia de luzinhas, diálogos supersónicos e roupas pastel.
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A força da nostalgia na cultura actual é tal que já não se contenta com recuos de décadas – é possível ter saudades de um lugar onde se foi feliz em 2007 e o Netflix aproveitará isso esta sexta-feira. Desta vez, a retromania vive numa cidadezinha de livro de histórias da América, aninhada entre o ideal da relação mãe-filha e a chuva de cultura pop respeitável. Gilmore Girls parecia só mais um drama familiar, particularmente adoçado para o palato feminino e para a middle America de que agora tanto se fala. Mas tornou-se um fenómeno global que atraiu Norman Mailer, Madeleine Albright ou os Sonic Youth para a sua teia de luzinhas, diálogos supersónicos e roupas pastel.
A música do genérico é de Carole King, que também por lá andou, e promete que, seja para onde formos, nos seguirá. É o que parece prometer Gilmore Girls: A Year in the Life, que chega ao Netflix em todo o mundo mas com a mira afinada para os EUA e o seu tão familiar dia de Acção de Graças. São quatro episódios especiais de 90 minutos, um por cada estação do ano. Lorelai e Rory Gilmore, ou Tal Mãe, Tal Filha como foi baptizada em português (SIC Mulher), são as personagens centrais criadas por Amy Sherman-Palladino e que o público conheceu em 2000 – a primeira era uma mãe adolescente que escapou aos pais endinheirados da sua cidade pacata e que voltou a Stars Hollow já adulta, para criar Rory, a filha em idade de liceu. A cidade, cheia de estalagens, panquecas e um damn good coffee a fazer lembrar outra terrinha televisiva, faz parte do chamamento pela vida mais simples, mais próxima, mais comunitária que a ficção americana (e portuguesa) admiram nas últimas décadas.
Do café de Twin Peaks aos heróis de Smallville, da comédia portuguesa Bem vindos a Beirais ao Sul de Hart of Dixie, também “queremos viver numa cidade tão encantadora e calorosa como Stars Hollow”, dizia ao New York Times Kevin Porter, um dos fãs e autores do podcast Gilmore Guys. “Gilmore Girls é aspiracional. Queremos falar tão depressa e ter tanta graça como elas”. Que é como quem diz que tudo parece tão real que não pode sê-lo, da sobrevivência do comércio tradicional à velocidade das conversas – um guião para uma série de 42 minutos costuma ter mais ou menos 42 páginas, mas os desta condensavam 75 ou 82 páginas de conversa. A nova série acumula já pelo menos 150 por episódio.
Conversas como as que se viram nos trailers da nova série e seus milhões de visualizações: entre mãe e filha, muito próximas, às vezes distantes, mas sempre num mesmo território. Gilmore Girls “tem uma abordagem própria às relações interpessoais e à forma como elas funcionam nos primeiros anos do século XXI”, escreve Ritch Calvin, doutor em Literatura Comparada e Estudos de Género, no livro que coordenou, Gilmore Girls and Politics of Identity. Nomeadamente “num momento histórico em que as mães estão, de facto, a comportar-se mais e mais como amigas ou irmãs”. A solidez do cenário, onde cozinhava e despontava uma estrela da comédia de Hollywood actual, Melissa McCarthy, encantou George Lucas, que visitou as filmagens, e ao longo dos seus sete anos no ar no canal CW cativou, para participações especiais, os Sonic Youth, o romancista Norman Mailer ou a antiga secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright. Rory Gilmore, aliás, termina a série como aspirante a jornalista na campanha às presidenciais do senador Barack Obama.
Os temas dessas conversas supersónicas iam do corriqueiro à actualidade e agradaram não só ao pico de cinco milhões de espectadores que a série teve na TV americana quanto a muitos subscritores do Netflix. Como aconteceu com outras séries, o serviço de streaming contribuiu, com os seus pacotes propícios ao binge watching, para renovar a popularidade desta série e também para lhe dar novos fãs. A empresa não revela números, mas está a fazer com as Gilmore o mesmo que fez com Arrested Development (De Mal a Pior), pagando (bem) por uma nova série vinda dos canais convencionais. O tom especial de Gilmore Girls, essa realidade aumentada das relações e dos lugares emocionais, carrega consigo algum romantismo. Sherman-Palladino, que na sétima temporada viu um diferendo tirá-la da sua própria série, vai poder fazer o que sempre quis – pôr na boca de uma das personagens as últimas quatro palavras com que termina a história.
Inverno, Primavera, Verão e Outono vão ter “uma sensação mais ‘adulta’”, prometeu Lauren Graham (Lorelai) ao Los Angeles Times. Houve perdas (como a morte do actor Edward Herrmann, o patriarca Gilmore) e estão confirmados regressos (de McCarthy e dos vários amores de Rory, interpretada por Alexis Bledel). É uma série que hoje, apesar da intensa produção televisiva, não seria feita, acredita a sua autora (cujo marido agora é co-autor, depois de ter sido produtor executivo da série original). “A não ser que”, como ironizou no Guardian, “mãe e filha conseguissem voar ou combatessem o crime”.