Portugueses trabalham cada vez mais horas, colocando saúde e família em risco
Num debate organizado esta quinta-feira, foram apontadas algumas consequências: hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes e depressão.
Em Portugal, ao contrário do resto da Europa, trabalha-se cada vez mais horas, especialmente quadros e chefias, e o fenómeno tem implicações nas relações familiares, mas também na saúde, alerta o psiquiatra Pedro Afonso.
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Em Portugal, ao contrário do resto da Europa, trabalha-se cada vez mais horas, especialmente quadros e chefias, e o fenómeno tem implicações nas relações familiares, mas também na saúde, alerta o psiquiatra Pedro Afonso.
O aumento da permanência no local de trabalho tem vindo a aumentar e isso tem implicações na saúde, aumentando a hipertensão, as doenças cardiovasculares ou a diabetes, mas também os casos de depressão, ansiedade e insónia, disse o especialista à Lusa.
Pedro Afonso é o orador num debate organizado esta quinta-feira pela Associação Cristã de Empresários e Gestores (Acege), sobre o tema O Impacto do Excesso de Carga Horária Laboral na Saúde Psíquica e na Vida Familiar. Professor de Psiquiatria na Faculdade de Medicina de Lisboa, no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica e na AESE-Business School, Pedro Afonso cita um estudo desenvolvido na Escola de Negócios segundo o qual 53% dos inquiridos trabalhavam mais do que a carga horária média.
A AESE é a primeira business school de Portugal e dedica-se à formação específica em direcção e gestão de empresas. Segundo Pedro Afonso, para o estudo foi utilizada o critério da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que indica as 48 horas por semana como máximo, sendo que a maioria dos portugueses inquiridos trabalhava 54.
"Parece ser um fenómeno cultural português e em todas as profissões. De tal maneira que quem não fica mais horas a trabalhar é censurado, quer pelos seus pares, quer pelas chefias", disse. Ainda citando o estudo, que será divulgado em breve, são os detentores de cargos de chefia que mais trabalham, "pelo que o fenómeno é transmitido de cima para baixo". E, dos inquiridos, disse Pedro Afonso, "11% tomavam ansiolíticos e antidepressivos, o que é muito, tendo em conta que a média etária rondava os 40 anos". Uma situação, acrescentou, "que talvez explique por que é que Portugal é o principal consumidor per capita de psicotrópicos"
O psiquiatra compara o fenómeno a uma "nova escravatura", porque acaba por destruir a família ("o escravo era o que não tinha direito a constituir família"), já que "o excesso de carga horária aumenta o risco de divórcio". E depois, adiantou, "como os escravos, o excesso de trabalho coloca em risco a saúde e a própria vida".
Pedro Afonso defendeu ainda que as novas tecnologias não vieram reduzir a carga horária, mas que, pelo contrário, "invadiram a vida privada" e que a "pressão vertical" para se trabalhar mais é "cada vez maior", dando como exemplo as sociedades de advogados, onde, por norma, se trabalha horas a mais.
"Hoje é malvisto quem sai a horas. Não interessa a produtividade. Nos países nórdicos trabalham menos e não consta que tenham menos produtividade. Estar presente não está obrigatoriamente relacionado com o aumento da produtividade", disse. Ao contrário, acrescentou o psiquiatra, o cérebro tem limites e com o aumento das horas de trabalho o rendimento diminui e aumenta a probabilidade de erro. E também é comprometida a qualidade de vida e uma adequada conciliação entre o trabalho e a família.