Ex-professor universitário condenado usou tribunal arbitral para concretizar burla
Advogado e antigo docente da Universidade de Coimbra condenado a cinco anos e meio de prisão efectiva por um crime de burla e dois de falsificação por falsear sentenças arbitrais
Imagine um advogado e reputado professor universitário que cria um tribunal arbitral e depois usa o mesmo para simular negócios que permitem ocultar património de terceiros, seus clientes, ou transferir imóveis para pessoas próximas sem qualquer contrapartida.
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Imagine um advogado e reputado professor universitário que cria um tribunal arbitral e depois usa o mesmo para simular negócios que permitem ocultar património de terceiros, seus clientes, ou transferir imóveis para pessoas próximas sem qualquer contrapartida.
Isso mesmo foi dado como provado pela Instância Central de Lisboa, que condenou recentemente o advogado e antigo professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, João Álvaro Dias, a cinco anos e meio de prisão efectiva por um crime de burla e dois de falsificação de documentos. O tribunal condenou ainda dois empresários, próximos do advogado, a quatro anos e meio de cadeia pelos mesmos crimes.
Este é o primeiro processo contra o ex-professor universitário a terminar numa condenação. Mas corre, neste momento, na Instância Central de Lisboa um outro caso, onde o advogado está a ser julgado por mais de 20 crimes, incluindo sete de burla e 12 de falsificação de documento. Nos dois casos estão em causa o uso de tribunais arbitrais — o primeiro chamado Projuris, constituído por elementos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e o segundo associado ao Instituto Português de Ciências Jurídicas (IPCJ), uma associação sem fins lucrativos criada em 2002 — com alegados intuitos fraudulentos.
No caso que já deu origem a condenação, está em causa um intrincado enredo que começa com a compra, em Julho de 2004, de um terreno em Castelo Branco por 62.500 euros por parte de um cidadão, Pedro Agapito, a um empresário da construção que conhecia, sócio-gerente da Beiradinis. O imóvel não foi imediatamente registado porque já existia em nome da empresa um projecto de construção de uma moradia, que Agapito ainda não decidira se queria.
Empresa hipoteca terreno alheio
O principal lesado deste caso acaba por decidir ficar com a casa, cuja construção vai financiando. Sucede que a Beiradinis estava a passar por dificuldades económicas e aproveita-se do facto do imóvel estar em seu nome para hipotecá-lo como garantia de um empréstimo de 150 mil euros, em Maio de 2005. Tudo à revelia de Agapito. O real dono do terreno tenta marcar a escritura para regularizar a situação, mas sem sucesso. Acaba por intentar uma providência cautelar em Outubro de 2006 pedindo o arresto dos bens da Beiradinis.
Em Janeiro do ano seguinte, o tribunal dá-lhe razão, mas em Fevereiro Pedro Agapito descobre que o imóvel já não era detido pela empresa a quem o comprara, mas por uma outra, a Realcil. A transferência da sua casa e de um outro imóvel da Beiradinis tinha sido possível graças a duas decisões do centro de arbitragem do IPCJ, ambas de Dezembro de 2006.
“Inteirado da situação da Beiradinis, o arguido João Álvaro Dias, formulando o propósito de se vir a apoderar de pelo menos parte do património desta sociedade, através de decisões arbitrais que forjaria a coberto do Instituto Português de Ciências Jurídicas, Centro de Arbitragem, propôs-lhe [ao sócio-gerente da empresa] que cedesse as quotas da Beiradinis a pessoa da sua confiança”, lê-se na decisão do colectivo de três juízes. O empresário recusa a proposta, mas, mais tarde, esgotadas as hipóteses de viabilizar a empresa, aceita ceder as quotas. Isto além de entregar a João Álvaro Dias um Volvo S60 que estava em nome da firma e mais 20 mil euros. Tudo para ficar livre de qualquer responsabilidade na falência da empresa.
Dizem os juízes que o empresário não fazia ideia do esquema que o advogado terá arquitectado e que fez com que Pedro Agapito, a mulher e os filhos fossem expulsos da própria casa. Um conhecido de João Álvaro Dias assume a gerência da sociedade e é com o seu nome que se faz um contrato de promessa de compra e venda — que o tribunal considera fictício — com a Realcil. Esta consegue, fruto de um alegado incumprimento da Beiradinis, ficar com a propriedade da moradia. Um outro suposto negócio entre as duas empresas permite ainda transferir outro imóvel da Beiradinis para a Realcil.
“Utilizaram documentos, nomeadamente sentenças arbitrais, como se de verdadeiras decisões se tratassem, para assim convencerem determinadas entidades, mormente as Conservatórias do Registo Predial”. resumem os juízes. O PÚBLICO tentou, sem sucesso, obter uma reacção de João Álvaro Dias.