Carta aberta a Paulo Rangel
E nós continuamos sem entender o silêncio do PSD enquanto se prepara para apoiar que este homem fique com o orçamento da UE e passe a vice-presidente da Comissão.
Por incrível que pareça, apesar de todos os disparates dos últimos anos, há ainda uma hipótese não-apocalíptica para a Europa. Principalmente quando olhamos em volta e vemos Trump, Putin, Erdogan e tantos outros nacional-populistas, a União Europeia aparece como uma entidade que, se puder ser salva, valerá a pena salvar. Mas isso só poderá acontecer se a UE se distinguir ao máximo das práticas e da cultura dos estados-máfia que pululam à nossa volta.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Por incrível que pareça, apesar de todos os disparates dos últimos anos, há ainda uma hipótese não-apocalíptica para a Europa. Principalmente quando olhamos em volta e vemos Trump, Putin, Erdogan e tantos outros nacional-populistas, a União Europeia aparece como uma entidade que, se puder ser salva, valerá a pena salvar. Mas isso só poderá acontecer se a UE se distinguir ao máximo das práticas e da cultura dos estados-máfia que pululam à nossa volta.
Há duas semanas escrevi uma crónica sobre Günther Oettinger, o comissário alemão a quem Jean-Claude Juncker quer entregar o orçamento da UE após o descalabro da candidatura da ex-comissária Kristalina Georgieva à ONU. Recordei como Oettinger, bem antes do episódio da gravação das suas declarações racistas e homofóbicas (zombou de uma delegação chinesa e disse da sua própria chanceler que ela quereria tornar o casamento homossexual obrigatório), já tinha sido o responsável pela ideia lunática de obrigar os países com défices excessivos a porem a bandeira a meia-haste nos edifícios da União. Tal como então, Oettinger tentou escapar ao escândalo que as suas palavras causaram com uma espécie de não-pedido de não-desculpa: que não disse o que lhe tinha sido atribuído, que se disse foi mal interpretado e que caso tenha sido mal interpretado pede então desculpa por isso. No entanto, — e demonstrando que nada nas suas desculpas tem significado para si —, resolveu redobrar na ideia de que a questão da igualdade de direitos na orientação sexual é uma questão menor que nos impedirá de ficar “competitivos” se lhe dermos a atenção que ele acha indevida.
Na altura, pedi uma assunção de responsabilidades a Paulo Rangel, enquanto vice-presidente do PPE, e a José Manuel Fernandes, também do PSD e coordenador do PPE para o orçamento. A nomeação de Oettinger terá de passar pelo Parlamento Europeu e eu gostaria de saber, enquanto cidadão português e europeu, se estes dois responsáveis do PSD e do PPE acham conveniente e adequado que a UE tenha este homem a gerir o seu orçamento. Atenção: esta não é uma daquelas tentativas de apanhar alguém em falso com os maus exemplos da sua família política — se fôssemos por aí eu saberia tão bem como qualquer leitor que a esquerda europeia e mundial está também bem servida de personagens infrequentáveis. Não: esta é uma questão política séria que vai depender em muito da posição do PSD e dos seus eurodeputados. Não vejo qualquer razão para a falta de transparência em relação aos motivos dessa decisão por políticos que têm responsabilidades acrescidas nela.
E acontece que a situação, entretanto, piorou. No mesmo dia em que Oettinger pediu as suas pseudodesculpas, a Comissão respondeu finalmente à pergunta de um eurodeputado húngaro dos Verdes sobre um assunto que há muito se comentava em Budapeste: no dia em que Oettinger foi à Hungria fazer um evento com o autoritário primeiro-ministro, Viktor Orbán, quem o trouxe no seu jato privado foi o cônsul da Rússia em Budapeste, um magnata alemão bem conhecido por ser um homem de mão de Putin. Se isso tem alguma relação com os negócios de centrais nucleares de Orbán, feitos propositadamente para serem ganhos pelos russos, não se sabe (e Orbán será uma conversa para outro dia).
Mas o que se sabe já é mais do que suficiente para se entender que Oettinger não tem condições para gerir o orçamento de uma União de 500 milhões de cidadãos precisamente no momento em que esta luta para ultrapassar uma crise de credibilidade e para se distinguir dos autoritarismos à sua volta. Oettinger não só não se distingue de Putin e dos seus imitadores como demonstra uma visão do mundo muito semelhante à deles e uma prontidão demasiado grande para lhes aceitar os favores. Por menos do que isto já caíram comissões e comissários no passado. E nós continuamos sem entender o silêncio do PSD enquanto se prepara para apoiar que este homem fique com o orçamento da UE e passe a vice-presidente da Comissão. Paulo Rangel, não acha que já chegou a hora de esclarecer isto?