Há uma nova história para contar sobre a hipertensão

O sistema imunitário está ligado à hipertensão arterial, revela uma linha de investigação recente que já resultou num ensaio experimental contra a hipertensão em ratinhos e que poderá vir a ser aplicado em humanos.

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Medição da tensão arterial PEDRO VILELA

Apesar de ser muito falada, há muitos mistérios sobre a hipertensão arterial, um deles é a sua relação com o sistema imunitário. Uma equipa de cientistas em Itália tem estado a abordar esta nova linha de investigação e está a desenvolver uma terapia que poderá vir a ser aplicada aos hipertensos crónicos que não respondem aos medicamentos. O tratamento passa por matar um nervo do baço, impedindo que um grupo de células do sistema imunitário invada as paredes dos vasos sanguíneos e dê mais força à doença.

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Apesar de ser muito falada, há muitos mistérios sobre a hipertensão arterial, um deles é a sua relação com o sistema imunitário. Uma equipa de cientistas em Itália tem estado a abordar esta nova linha de investigação e está a desenvolver uma terapia que poderá vir a ser aplicada aos hipertensos crónicos que não respondem aos medicamentos. O tratamento passa por matar um nervo do baço, impedindo que um grupo de células do sistema imunitário invada as paredes dos vasos sanguíneos e dê mais força à doença.

A técnica é experimental e foi aplicada só a ratinhos hipertensos, mas teve resultados positivos. O estudo sobre este trabalho foi publicado na revista Nature Communications.

O aumento da pressão arterial está ligado ao aumento do batimento do coração. Episodicamente, não há mal no aumento do ritmo cardíaco. A reacção fisiológica a uma situação de perigo passa pela injecção de adrenalina na circulação que faz o coração bater mais rápido, levando o sangue aos músculos e dando capacidade de resposta ao perigo.

O problema é quando a pressão arterial se mantém alta no tempo. As causas podem ser muitas, desde genéticas até ambientais. Do ponto de vista vascular, os vasos sanguíneos periféricos estreitam-se, o coração bate com mais força para garantir que o sangue continua a chegar a todos os tecidos e a hipertensão instala-se. Ao fim de muitos anos, surgem problemas sérios, como o acidente vascular cerebral.

Felizmente há medicamentos que actuam em diferentes órgãos e permitem diminuir a pressão arterial. Ainda assim, entre cinco a 10% dos hipertensos crónicos não reagem a estes medicamentos. Além disso, os mecanismos fisiológicos que se encadeiam desde a resposta a um factor de risco da hipertensão, como o excesso de sal no sangue, até à condição de saúde se manifestar são desconhecidos.

O trabalho publicado na Nature Communications e que foi coordenado por Giuseppe Lembo, do Instituto Neurológico Mediterrânico (Neuromed), em Pozzilli, Itália, poderá vir a destrinçar alguns dos mistérios desta doença. “Neste artigo, estivemos interessados em olhar para o sistema imunitário como causa da hipertensão”, disse ao PÚBLICO Daniela Carnevale, uma das autoras.

Mais precisamente, os cientistas estudaram a ligação entre a hipertensão, o sistema imunitário e o sistema nervoso simpático, que pertence ao sistema nervoso autónomo (não é controlado conscientemente). O sistema nervoso simpático é importante na manutenção da homeostase e actua nos órgãos do corpo em resposta aos stresses. Segundo a cientista, há muito que se sabe que a activação exagerada do sistema nervoso simpático tem um efeito na hipertensão, tanto a nível do coração como dos rins – outro órgão importante na equação da doença. Mas a ligação ao sistema imunitário é a novidade.

“Quando há uma situação de hipertensão, há substâncias que são detectadas pelo cérebro e este activa o sistema nervoso simpático”, explica Daniela Carnevale. “Este tipo de activação no cérebro provoca uma descarga no baço.”

O baço é um órgão importante para filtrar o sangue, retirando os glóbulos vermelhos velhos da corrente sanguínea. Além disso, acumula linfócitos T (uma das várias classes de células do sistema imunitário), que entram em acção quando um novo organismo patogénico é detectado no sangue.

Estudos recentes mostraram que estes linfócitos T têm um papel importante na hipertensão arterial, explica um comunicado do Neuromed. Estas células são activadas e migram para as paredes dos vasos sanguíneos dos órgãos afectados pela hipertensão, não só reforçando a doença mas também causando danos aos órgãos, como os rins. Não se compreende ainda o que os linfócitos T provocam no sistema vascular daqueles órgãos, e a equipa italiana quer estudar este fenómeno no futuro. Mas a pergunta por trás deste trabalho era, em primeiro lugar, compreender que estímulo é que os activava.

Na experiência, os cientistas foram testar o papel do sistema nervoso simpático neste processo. E descobriram em ratinhos hipertensos que, quando cortavam o nervo vago que estimula o baço, os linfócitos T não saiam daquele órgão. “Descobrimos que o recrutamento [das células] do sistema imunitário e o aumento da pressão arterial dependem desta via”, explica-se no artigo.

Uma das hipóteses futuras é testar este método em doentes hipertensos que não respondem aos medicamentos. “Não tivemos nenhuns efeitos secundários desta intervenção nos ratinhos”, explica Daniela Carnevale. “Poderemos testar o mesmo procedimento em humanos.”

Para Rui Cruz Ferreira, médico e director do programa nacional para as doenças cerebrais e cardiovasculares da Direcção Geral da Saúde, esta investigação dá uma nova perspectiva sobre a hipertensão. Quanto à sua aplicação, o médico é prudente: “É um estudo experimental. Não quer dizer que resulte em humanos. Recentemente houve uma nova via de tratamento da hipertensão que passava pela denervação de certos nervos do rim. Era apontada como um tratamento muito auspicioso, mas os resultados ficaram aquém do esperado.”