Carbon Tax em Portugal: before the flood e depois de Trump
É importante um reforço do papel dos small actors, países como o nosso, que têm vindo a ter um posicionamento capaz de reforço das políticas de aposta em energias renováveis e que podem constituir uma alternativa no processo de alinhamento das preocupações das alterações climáticas.
Vi, com interesse, a mais recente produção cinematográfica do galardoado Di Caprio, “Before the Flood”, sobre a marcha inexorável do crescimento humano e consequentes repercussões nas alterações climáticas. Se a disponibilização deste documentário, em simultâneo em mais de 160 países e em 45 línguas, acaba por se integrar num quasi género de propaganda (existe um bom sentido do termo), o agora quarentão Di Caprio acaba por marcar um ritmo negro, e de consumidora urgência, numa linha que nos deixa sempre com um travo amargo que é, sobretudo, de impotência. E é este o tom constante da obra da National Geographic (com um toque perceptível de Scorcese): um alerta in extremis que vai muito para além da mera posição contemplativa da natureza, que já tinha sido experimentado no filme de Iñárritu, e que impele para uma postura pró-activa do espectador. E não duvidando da capacidade de salvar o planeta de Di Caprio (certo Rose?), a verdade é que, com os últimos acontecimentos, nomeadamente no desaguar do Acordo de Paris (COP21), com as recentes discussões sobre o tema no processo negocial da COP22 em Marraquexe, e com a recém eleição choque de Donald Trump, o ruído de fundo é, agora, um grito de certeza: temos que agir!
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Vi, com interesse, a mais recente produção cinematográfica do galardoado Di Caprio, “Before the Flood”, sobre a marcha inexorável do crescimento humano e consequentes repercussões nas alterações climáticas. Se a disponibilização deste documentário, em simultâneo em mais de 160 países e em 45 línguas, acaba por se integrar num quasi género de propaganda (existe um bom sentido do termo), o agora quarentão Di Caprio acaba por marcar um ritmo negro, e de consumidora urgência, numa linha que nos deixa sempre com um travo amargo que é, sobretudo, de impotência. E é este o tom constante da obra da National Geographic (com um toque perceptível de Scorcese): um alerta in extremis que vai muito para além da mera posição contemplativa da natureza, que já tinha sido experimentado no filme de Iñárritu, e que impele para uma postura pró-activa do espectador. E não duvidando da capacidade de salvar o planeta de Di Caprio (certo Rose?), a verdade é que, com os últimos acontecimentos, nomeadamente no desaguar do Acordo de Paris (COP21), com as recentes discussões sobre o tema no processo negocial da COP22 em Marraquexe, e com a recém eleição choque de Donald Trump, o ruído de fundo é, agora, um grito de certeza: temos que agir!
O Acordo de Paris, que é o resultado de um esforço sem precedentes de cooperação internacional, acabou por ser alvo de algumas críticas que se interligam no seu plano de prospectiva eficácia. Se os objectivos são louváveis, a verdade é que os instrumentos de operacionalização (não) consignados acabaram por evidenciar as suas fragilidades. Falta compromisso dos países mais ricos com o processo de financiamento, diminuindo a exposição dos países em vias de desenvolvimento. Há uma base comum de entendimento, mas falta rigor e objectividade que obstem a uma margem de interpretação excessiva.
Parece-me que a eleição de Donald Trump agudiza ainda mais esta situação. Já se percebeu que existe uma diferença entre o Trump candidato e o Trump Presidente (esperemos, pelo menos). E algumas (veja-se os recuos na eliminação do Obama Care, e o desaparecimento da promessa de expulsão dos Muçulmanos do site oficial) das promessas para os primeiros 100 dias começam a claudicar. Mas a ameaça de corte de financiamento de milhões de dólares para a luta das alterações climáticas, num País que é fundamental para o sucesso do referido Acordo, até depois da débacle de Quioto, não pode ser tomada de ânimo leve. Até porque este posicionamento, que encara as alterações climáticas cientificamente provadas a um qualquer papel de mito ou negação, acaba por fazer recuar esta luta algumas importantes décadas. Os tempos estão, de facto, para os extremistas.
Mas será importante ver quais os próximos passos do novo Presidente Norte-Americano, até porque as últimas notícias de formação do seu gabinete não trazem pessoas com especial sensibilidade para o tema (com o dark side of the moon de Newt Gingrich à cabeça). O Acordo de Paris ultrapassa em muito o âmbito de soft law que é costumeiro neste tipo de situações e, pela primeira vez, acaba por vincular os países aderentes, ainda que aquele esforço não esteja quantificável. Para sair desta rede, os Estados Unidos teriam que aguardar quatro longos anos (artigo 28.º do Acordo). No entanto, o génio de Trump pode não estar habituado a tal compasso de espera, podendo utilizar o controlo que tem do Congresso e Senado Norte-Americanos para escapar deste compromisso. Certo é que, em qualquer dos cenários, os avanços dados nesta sede estariam irremediavelmente condenados.
Entre Di Caprio e Trump há, portanto, um espaço de actuação (ainda que proporcionalmente considerado) a todos os participantes. Em Portugal, a The Green Growth Commitment and The Green Taxation Reform (Comissão da Reforma da Fiscalidade Verde), estabelecia algumas metas quantificáveis para 2020 e 2030, assentes numa perspectiva fundamental de neutralidade fiscal e numa óptica de triple dividend (proteger o ambiente e diminuir a dependência energética; fomentar o crescimento do emprego; contribuir para uma política de responsabilidade e equilíbrio do orçamento). E neste âmbito o Plano Nacional de Ação para a Eficiência Energética e Plano Nacional de Acção para as Energias Renováveis (através do Fundo de Eficiência Energética e o Fundo de Apoio à Inovação), têm estabelecido uma série de metas para a prossecução desses objectivos. Portugal tem uma das taxas mais baixas de emissão de CO2, e tem sido dotado, desde a reforma de 2007, de um quadro legal fiscal que antevê o combate à utilização de veículos altamente poluidores, propiciando a utilização de veículos híbridos: através do imposto sobre veículos e através do imposto único de circulação. Tanto que a nível internacional, Portugal sempre esteve bem colocado cumprindo até os patamares estabelecidos em Quioto. No entanto, este esforço depende em larga medida da utilização e potenciação de outro tipo de investimento, mais profundo e estrutural, em energias limpas que é (ainda) desejável. Fala-se, por exemplo, de um Carbon Tax Europeu, sem nunca se tomar em conta a disparidade existente em termos de diferenças entre os Estados-Membros (ainda mais num quadro de Brexit) quer em termos de emissões e consumos, quer em termos de ritmos de desenvolvimento económico.
Qual o espaço, então, para a criação de um novo imposto sobre as emissões de dióxido de carbono, neste âmbito, em Portugal? Desde logo, sempre se diria que este imposto é justificado pela urgência que, longe de uma imposição, se afirma pela necessidade de um futuro sustentável. Até porque, embora haja um custo associado, este não se transmitiria directamente num qualquer aumento automático do preço da energia, tendo que obviamente ser aproveitada a eficiência e sinergia fiscais daí resultantes. Sendo fundamental que não se possa reconhecer um qualquer intuito económico deste novo imposto que não seja aquele justificado pelo princípio da neutralidade fiscal que já se referiu.
Daí que seja importante um reforço do papel dos small actors, países como o nosso, que têm vindo a ter um posicionamento capaz de reforço das políticas de aposta em energias renováveis e que podem, em conjunto, constituir uma alternativa no processo de alinhamento das preocupações das alterações climáticas. Não num carácter utópico de substituição à participação dos grandes intervenientes que será, sempre essencial, mas na constituição de um momentum de consideração daquelas preocupações que não as deixe morrer.
Basilar é, como tal, a tomada de consciência dos players secundários neste quadro, isto é, com o contributo possível, aproveitando o potencial energético que possuem e que, no caso de Portugal, é imenso. Não sabemos se a eleição de Trump é o último compasso deste requiem global. Duvidamos, e lamentamos, também, que a sociedade (autor incluído?) só acorde para estas realidades quando estimulada por um qualquer filme orientado para a geração millenial. Mas estes rebates de consciência têm que se deixar de esfumar passado um parco tempo. Daí que, se o filme de Di Caprio abra com The Garden of Earthly Delights de Bosch, se espere que, o último painel ali retratado possa, ainda, ser evitado. O momento é histórico. Não por Trump, não por Di Caprio e não, certamente, pelo exíguo espaço de manobra. Histórico sobretudo pela necessidade de consciencialização global e necessidade de resposta. Estaremos à altura?