“O Centro de Artes José de Guimarães é um balão de oxigénio no país”
Quatro anos após a inauguração do maior investimento da Capital Europeia da Cultura, o país ainda não conhece o museu que tem em Guimarães – e o Estado continua a não o financiar, ao contrário do que faz com o CCB e a Casa da Música. Nuno Faria, o director, diz que "seria da mais elementar justiça".
O Ministério da Cultura e a Câmara de Guimarães vão formar um grupo de trabalho para analisar como é que o Estado pode passar a contribuir, já no próximo ano, para o financiamento do Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG). O maior investimento da Capital Europeia da Cultura de 2012 é actualmente suportado apenas pela autarquia. A solução “seria da mais elementar justiça”, afirma o director do centro de arte contemporânea, Nuno Faria, 46 anos, que chegou a Guimarães há quase cinco para lançar este projecto.
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O Ministério da Cultura e a Câmara de Guimarães vão formar um grupo de trabalho para analisar como é que o Estado pode passar a contribuir, já no próximo ano, para o financiamento do Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG). O maior investimento da Capital Europeia da Cultura de 2012 é actualmente suportado apenas pela autarquia. A solução “seria da mais elementar justiça”, afirma o director do centro de arte contemporânea, Nuno Faria, 46 anos, que chegou a Guimarães há quase cinco para lançar este projecto.
Passaram quatro anos e meio desde a inauguração do CIAJG. O país já sabe que museu é este que tem em Guimarães?
Sim e não. De um modo geral, as pessoas ligadas aos museus e à arte contemporânea já cá vieram uma ou mais vezes. Mesmo quem não veio sabe que o CIAJG existe e que questões são aqui abordadas. Mas continuamos a ter pessoas que quando cá vêm ficam muito surpreendidas com aquilo que encontram.
Alguma coisa está a falhar?
Por um lado, sabemos que no nosso país ainda há uma resistência aos lugares mais descentrados. As pessoas não viajam tanto como noutros países. O segundo factor é de ordem interna: muito provavelmente não soubemos ser eficazes a comunicar o nosso lugar e a nossa idiossincrasia. O CIAJG é muito exigente e merece mais público do que aquele que tem.
Os últimos números de visitantes que conhecíamos eram os de 2014: 16 mil pessoas. Como foram os anos seguintes?
Houve um pequeno decréscimo em 2015. Registamos 13.500 visitantes. Ainda não terminámos este ano, mas tivemos um Verão bom, com um fluxo bastante considerável de público, sobretudo turistas. De todas as franjas de público, aquela que me parece mais deficitária, e até mais incompreensível que não seja mais fiel, é o próprio público vimaranense.
O CIAJG é um corpo estranho à cidade?
Não é tanto como no início. Em terras muito sedimentadas do ponto de vista dos hábitos, como é Guimarães, a afirmação de novos equipamentos leva tempo. Este centro foi construído num lugar simbólico para a cidade, que era o antigo mercado. Tenho a impressão de que ainda haverá muita gente que não sentiu empatia com esta nova função. Mas isto leva tempo, é um trabalho lento: não plantamos eucaliptos, estamos a plantar carvalhos. É certo que não deixa de haver preocupação com números, porque este é um grande investimento.
Foi a obra mais cara da Guimarães 2012, 16 milhões de euros. Há um estigma de elefante branco?
O CIAJG é a antítese do elefante branco. É um sítio que tem uma equipa, que tem uma colecção e que a estuda, que acolhe muitas propostas, que produz obras de diferentes artistas, que tem artistas em residência e por onde passam espectáculos de vários tipos.
Há uma pressão pública e até política sobre o centro, pelo facto de os 16 mil visitantes não serem a meta que estava inicialmente prevista. Isso torna-se um problema?
Não sinto a mínima pressão em termos de programação. A função de um programador é construir uma programação coerente e consistente, bem como construir os mecanismos de recepção para que as pessoas possam aceder a essas ideias. Não considero fazer qualquer tipo de desvio à lógica de programação, porque um projecto desta natureza afirma-se sobretudo pela forma como souber cativar as pessoas para aqui virem. A partir do momento em que elas vêm, acho que está garantido que vão voltar.
O CIAJG é muita coisa: são as colecções de José de Guimarães de arte africana, pré-colombiana e chinesa, são as próprias obras do José de Guimarães e a produção contemporânea que é feita a partir do centro. Como se conjugam estas valências?
O programa foi desenhado especificamente para este lugar e o que propomos é uma espécie de atlas, que teve início com a exposição Para além da História (2012) que ocupava todo o espaço do centro e fazia conviver todas essas camadas, prenunciando um conjunto de questões que iríamos tratar mais tarde. Desse ponto de vista, é um projecto pensado a vários anos. Depois, este é um sítio que opera a duas velocidades. Uma primeira, mais lenta, que é o espaço da colecção permanente: nesse caso somos um museu, que alberga peças, que tem uma colecção feita em diálogo com artistas contemporâneos e com peças do património popular arqueológico e religioso da região. A segunda velocidade é a das exposições temporárias. Uma das características do CIAJG é que fazemos questão de produzir obras de artistas.
Houve uma questão debatida localmente, ainda que não tenha tido grande impacto nacional: a possibilidade – defendida na Assembleia da República pelos deputados de Guimarães eleitos pelo PS e a nível local pela oposição PSD/CDS – de pelo menos parte da colecção Miró, agora exposta na Fundação de Serralves, ser aqui acolhida. Isto chegou a ser uma hipótese?
A questão da colecção Miró ficou resolvida à partida. O senhor ministro da Cultura veio a Guimarães e, entre outras instituições, visitou o CIAJG. No dia seguinte saiu uma entrevista em que este dizia que o destino da colecção era Serralves. Se tivesse equacionado que o destino da colecção fosse aqui, teríamos discutido essa possibilidade na altura.
Mas ter-se discutido essa possibilidade em 2016 é um sinal de que ainda não está percebido o que é este centro?
Não diria isso. Acho que todas as pessoas estão preocupadas em afirmar o CIAJG e em fazer tudo para que tenha a projecção pública que merece. Este país está a sofrer uma grande crise identitária do ponto de vista da política cultural desde meados dos anos 1990. Neste contexto, Guimarães soube estruturar-se e criar uma autonomia em termos da sua acção e da maneira como se constituiu como pólo cultural. Perder essa autonomia seria o pior que nos poderia acontecer. O caminho certo é revindicar até ao limite aquilo que é o direito de uma cidade que acolheu uma Capital da Cultura e que construiu este equipamento: ter um tratamento igual às outras cidades que foram Capitais Europeias da Cultura neste país.
Está a defender um financiamento do Orçamento de Estado para o CIAJG, que tem sido uma reivindicação da Câmara de Guimarães.
E que seria da mais elementar justiça. Os dois equipamentos construídos no âmbito das Capitais Europeias anteriores a Guimarães, a Casa da Música e o Centro Cultural de Belém, beneficiam de um forte apoio estatal. Não se compreende como é que o CIAJG não beneficia do apoio do Estado e só tem apoios locais. Quando nos visitou, o ministro prometeu que iria tratar do assunto. Não há cidade hoje em Portugal à escala de Guimarães com uma oferta cultural tão ampla, tão consistente e com tanta qualidade. Aquilo que fazemos aqui é um trabalho de nível nacional e… não podemos dizer de âmbito internacional porque nos faltam os meios.
Um eventual financiamento nacional permiti-lo-ia?
Entre outras coisas. Uma estrutura desta natureza não pode estar só dependente de financiamentos públicos, mas esses seriam essenciais. O trabalho que aqui poderíamos fazer seria exponenciado e potenciaria os números de público seguramente se conseguíssemos ter outros meios. A nossa filosofia não se iria alterar, mas o fôlego seria outro. Um projecto destes deve estar acima das questões partidárias, deveria ser assumido como um desígnio pelas diferentes facções políticas. Claro que há visões diferentes de política cultural, mas um projecto destes deve sempre apostar em várias coisas.
Por exemplo?
Deve apostar numa identidade, que está para além de quem programa o centro, e depois deve apostar numa pluralidade. Eu não vou ficar aqui para sempre. O meu papel é consolidar uma identidade. A partir desse momento, quando não há retrocesso possível, desejavelmente deverá vir outra pessoa que renove as propostas.
Mas há um prazo para a sua saída?
Não. Temos objectivos bem definidos e sentimos todos que há caminho a fazer. Não consigo perceber discursos que digam que o trabalho que aqui fazemos é inacessível ao público. Eu acho que quem vem ao centro e esteja mais ou menos habituado a vir a estes sítios tem diferentes motivos de entusiasmo e diferentes níveis de compreensão das coisas que aqui estão. Algumas são coisas com as quais convivemos no dia-a-dia, outras são mais exóticas, mais longínquas. Nós não trabalhamos propriamente com a forma ou com o estilo, trabalhamos com a energia dos objectivos.
Fiquei com a sensação de que se sente a prazo.
Foi uma sensação errada. Que fique muito claro: sinto uma grande identificação com este projecto, com a cidade. Acho que é um projecto essencial no panorama artístico português. Em diferentes questões, é um balão de oxigénio porque preserva uma relação entre o passado e o presente, propondo coisas para o futuro que se calhar noutras instituições não existem de forma tão vitalista. E é um projecto que tem responsabilidades. Quando temos colecções com décadas de história à nossa guarda, com objectos tão valiosos, temos uma responsabilidade grande.