Nova técnica para criar modelos 3D de fetos
Está a surgir uma alternativa à ecografia pré-natal, que possibilitará ter imagens dos fetos 3D com maior nitidez. Além de os pais acompanharem o desenvolvimento do bebé em realidade virtual, os médicos podem analisar melhor as malformações.
O tempo de espera até ao nascimento do bebé é sempre um misto entre a ansiedade e a projecção de como vai ser a criança. A escolha do nome, das roupas ou do berço são etapas a cumprir nos meses de gestação. E tudo culmina na ida ao obstetra para a realização das ecografias. É ali que se sabem boas e más notícias. Agora, especialistas brasileiros desenvolveram uma técnica que permite fazer exames de ressonância magnética, ecografias e tomografias em 3D com maior resolução. Este novo exame de imagiologia para o feto vai entrar no mercado mundial no próximo ano, anuncia a equipa.
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O tempo de espera até ao nascimento do bebé é sempre um misto entre a ansiedade e a projecção de como vai ser a criança. A escolha do nome, das roupas ou do berço são etapas a cumprir nos meses de gestação. E tudo culmina na ida ao obstetra para a realização das ecografias. É ali que se sabem boas e más notícias. Agora, especialistas brasileiros desenvolveram uma técnica que permite fazer exames de ressonância magnética, ecografias e tomografias em 3D com maior resolução. Este novo exame de imagiologia para o feto vai entrar no mercado mundial no próximo ano, anuncia a equipa.
Mas, atenção, o novo exame não é apenas para uma recordação sobre o bebé na barriga da mãe. É mais do que isso: irá permitir analisar malformações no feto ou fazer prognósticos de doenças. Este projecto vai ser apresentado a 30 de Novembro no congresso anual da Sociedade Radiológica da América do Norte, em Chicago, pela equipa do ginecologista-obstetra Heron Werner Jr., da Clínica de Diagnóstico por Imagem, no Rio de Janeiro.
Os pais já poderão fazer uma visualização imersiva em realidade 3D do desenvolvimento dos seus bebés. Tudo graças ao avanço das tecnologias. As imagens obtidas resultam de exames ao feto por ecografia, ressonância magnética ou tomografia computorizada (TAC). Estes três exames permitem gerar imagens de alta resolução do feto, com um contraste elevado. A ressonância magnética (que, tal como a ecografia, não é nociva para a gravidez) já era usada quando não se obtinham ecografias com grande qualidade.
O novo processo permite que várias partes do corpo sejam reconstituídas em 3D, como o útero, o cordão umbilical e a placenta, o que possibilita fazer um modelo do feto. Faz parte de um projecto maior chamado Feto 3D, que resulta de uma parceria entre três instituições brasileiras (além da Clínica de Diagnóstico por Imagem, o Instituto Nacional de Tecnologia e o laboratório NEXT da Universidade Católica do Rio de Janeiro). O Feto 3D começou em 2007, quando um grupo de investigadores decidiu transformar as imagens de ecografia e de ressonância magnética em modelos 3D.
Os desenvolvimentos da ecografia nos anos 60 e da ressonância magnética nos anos 80, métodos não invasivos para feto, desembocaram depois em imagens de realidade virtual, afirmava a equipa de investigadores brasileiros num artigo científico de 2010 na revista Ultrasound Obstetrics and Gynecology Journal.
Procedeu-se então à aplicação daquelas duas técnicas. Entre 2007 a 2009, foram usadas, ao todo, imagens de 33 fetos, incluindo as de três gémeos. Destes fetos, 15 tinham um desenvolvimento normal e os restantes 18 apresentavam tumores e malformações. Os exames foram feitos no Rio de Janeiro e em Londres, relatava a equipa no artigo.
O que trouxeram de novo essas imagens? Foi o contraste entre o esqueleto do feto e as paredes do útero. No final, conseguiu-se fazer uma boa reconstituição em 3D da cara, das orelhas, das mãos e dos pés do feto.
Nesta primeira fase do projecto, construíram-se mesmo modelos físicos em 3D, que foram impressos e se destinavam a grávidas cegas, para que tocassem nas imagens e, dessa forma, criarem uma imagem mental do seu bebé. Nesta altura, o principal objectivo destes modelos era a sua utilização em faculdades de medicina, para discussão de casos clínicos em reuniões de especialistas (cirurgiões, ginecologistas, obstetras e pediatras). Contudo, os objectivos foram-se multiplicando e as técnicas foram-se aperfeiçoando.
Neste momento, o número de fetos analisados já aumentou (Heron Werner Jr., em conversa com o PÚBLICO, não conseguiu precisar nesse momento números concretos). A segunda fase, a actual, começou em 2011, com a navegação por vídeo através de um exame a um feto normal. Através do exame do feto – em ecografia, em ressonância magnética e em tomografia (esta última é a menos usada devido às radiações emitidas), ou a junção da ecografia e da ressonância magnética em patologias mais complexas, como os tumores –, obtiveram-se agora imagens mais nítidas. Este avanço permite navegar pelo interior do útero, conseguindo-se observar com mais pormenor o feto, o cordão umbilical e a placenta. Pôde assim começar a fazer-se modelos virtuais das imagens 3D do feto.
Nos vários exames realizados, há um momento destacado pelos autores do trabalho, numa nota enviada ao PÚBLICO por Heron Werner Jr. Foi em 2013, quando se conseguiu mesmo chegar ao interior das vias respiratórias de um dos fetos, que tinha um tumor na região do pescoço: “Estas novas visualizações em 3D podem auxiliar uma equipa [médica] numa melhor avaliação do tumor e do seu grau de invasão em estruturas nobres do pescoço, melhorando o planejamento cirúrgico pós-natal”, disse-nos na nota. “Favorecer também a discussão multidisciplinar nos casos de patologias complexas do feto.”
Num artigo de 2014, na revista Ultrasound Quarterly, dedicado à detecção de malformações, a equipa referia que a técnica podia ter algumas limitações. Alguns dos modelos virtuais podiam não ter qualidade suficiente para analisar certas malformações. “Mas esta técnica ainda está no início e acreditamos que são necessárias algumas melhorias”, diziam.
Com as novas imagens, a técnica ganhou um novo fôlego. Agora, o principal objectivo é ajudar os especialistas a diagnosticar e a avaliar doenças e malformações fetais. “Os modelos de fetos em 3D associados às tecnologias de realidade virtual imersivas podem melhorar a compreensão das características anatómicas fetais, ser usadas para fins educativos e como método para os pais visualizarem o seu bebé ainda por nascer”, diz Heron Werner Jr., citado num comunicado da Sociedade Radiológica da América do Norte.
Depois, a visualização do feto em 3D deve ser feita com um tipo de óculos 3D (óculos Rift) para que a experiência seja de facto imersiva, como se navegássemos pelo útero, e mais pormenorizada. “A experiência [com estes óculos] providencia imagens com contrastes mais acentuados e nítidas do que a ecografia e as imagens da ressonância magnética visualizadas num dispositivo tradicional”, esclarece Heron Werner Jr., no comunicado, acrescentando: “Os médicos podem ter acesso a uma experiência imersiva num caso clínico em que estejam a trabalhar, tendo uma noção da estrutura interna do feto em 3D, para a verem melhor e analisarem a informação morfológica.”
Uma inovação
Para que as imagens tenham uma boa qualidade, é necessária uma quantidade considerável de líquido amniótico. Caso isso não aconteça, o exame demorará mais tempo. Um exame pode demorar entre dez minutos a quatro horas, dependendo da quantidade do líquido amniótico, disse ao PÚBLICO Heron Werner Jr. Assim sendo, a equipa, segundo a nota já referida, indica que o melhor período para fazer o exame é no segundo trimestre e início do terceiro de gravidez.
Para que demore menos tempo, Werner conta que engenheiros da Universidade Católica do Rio de Janeiro estão a “aperfeiçoar” o software. Só depois desta melhoria a técnica será disponibilizada de forma comercial. A estimativa é que o novo software esteja no mercado daqui a sete meses a um ano, adianta Heron Werner Jr. A técnica será vendida a uma empresa norte-americana (cujo o nome o médico não quis revelar para já), para ser lançada em todo o mundo.
Até agora, a técnica apenas foi aplicada na Clínica de Diagnóstico por Imagem, no Rio de Janeiro, com carácter experimental. E quem a aplica são especialistas de obstetrícia, cirurgia ou ginecologia.
E quanto pode custar um exame destes ao feto em 3D? Heron Werner dá uma estimativa: ”Só a execução custa entre 800 a 1000 reais [225 a 280 euros]. Mas depende, se a mulher tiver mais líquido amniótico fica mais fácil de se fazer, leva menos tempo e consequentemente é mais barato”, responde-nos. “É completamente inovador. Nunca ninguém tinha feito estas navegações em 3D pelo interior do útero.”
E afinal, como se chama este novo exame ao feto em realidade 3D? Aí Heron Werner respira fundo e começa um longa resposta: “Até agora, chama-se ‘Navegação por realidade virtual em fetos através de exames de ecografia, ressonância magnética e tomografia.’”
Se em 2017 a nova técnica, com este longo nome, entrar mesmo em uso clínico, haverá médicos, investigadores e pais que poderão colocar óculos 3D e fazer uma viagem pelo interior do útero em realidade virtual. E os bebés surgirão num ecrã como nunca os vimos antes.
teresa.serafim@publico.pt