O fim-de-semana de Donald J. Trump
Se num fim-de-semana deixamos escapar a burla, a censura, o racismo e a prepotência, imaginemos o que será nos quatro anos da sua presidência.
Tuítes de Donald J. Trump este fim-de-semana: em primeiro lugar, admitir que burlou centenas ou milhares de pessoas numa fraudulenta Universidade Trump pela qual aceitou pagar 25 milhões de dólares em indemnizações (antes das eleições, disse que ganharia facilmente este caso em tribunal); segundo, queixar-se do elenco de um musical na Broadway que no fim do espectáculo leu uma mensagem pedindo ao vice-presidente eleito para respeitar todos os americanos (ao contrário do que foi dito, Trump não se queixou das vaias do público contra o seu parceiro Mike Pence, mas sempre especificamente do “sermão”); passado um dia, voltar ao mesmo assunto, exigindo que o elenco pedisse desculpas “imediatamente”; nesse mesmo domingo às seis da manhã, anunciar que vai receber “patriotas” em sua casa para preencher os quadros da sua administração; minutos depois, revelar que viu um programa cómico na televisão que o satirizou e que, claro, este “não tinha piada nenhuma”, acabando a sugerir que fosse dado “tempo igual a nós”; finalmente, dizer que um dos candidatos a secretário de Defesa o tinha impressionado muito e saudar o novo chefe da oposição no Senado declarando que este era “muito mais esperto” do que o seu antecessor.
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Tuítes de Donald J. Trump este fim-de-semana: em primeiro lugar, admitir que burlou centenas ou milhares de pessoas numa fraudulenta Universidade Trump pela qual aceitou pagar 25 milhões de dólares em indemnizações (antes das eleições, disse que ganharia facilmente este caso em tribunal); segundo, queixar-se do elenco de um musical na Broadway que no fim do espectáculo leu uma mensagem pedindo ao vice-presidente eleito para respeitar todos os americanos (ao contrário do que foi dito, Trump não se queixou das vaias do público contra o seu parceiro Mike Pence, mas sempre especificamente do “sermão”); passado um dia, voltar ao mesmo assunto, exigindo que o elenco pedisse desculpas “imediatamente”; nesse mesmo domingo às seis da manhã, anunciar que vai receber “patriotas” em sua casa para preencher os quadros da sua administração; minutos depois, revelar que viu um programa cómico na televisão que o satirizou e que, claro, este “não tinha piada nenhuma”, acabando a sugerir que fosse dado “tempo igual a nós”; finalmente, dizer que um dos candidatos a secretário de Defesa o tinha impressionado muito e saudar o novo chefe da oposição no Senado declarando que este era “muito mais esperto” do que o seu antecessor.
E isto apenas em 48 horas da vida de um homem que ainda não é presidente. Resposta da oposição a Trump? Dizer “não liguem aos tuítes sobre o teatro, prestem atenção ao caso de fraude” ou “não liguem à fraude, prestem atenção às nomeações” ou encolher os ombros e dizer “ele já foi eleito, há que lhe dar uma oportunidade”.
É fácil entender a dificuldade da oposição a Trump. Sempre foi: a dificuldade da abundância. Quando um candidato, e agora presidente eleito, é um burlão notório, com tendências censórias (se já fosse presidente, os tuítes sobre o teatro e a TV seriam inconstitucionais — não que alguém vá de facto notar isso, tal é a anestesia), que acabou de nomear uma série de racistas para cargos importantes e que traz a família para negócios com líderes estrangeiros, levando os corpos diplomáticos a estacionarem nos seus hotéis — o problema é a escolha. Qualquer destas história, com qualquer outro presidente eleito, daria para meses de atenção. Com Trump, passam todas a correr num fim-de-semana.
Para os democratas em todo o mundo que não sabem que crítica a Trump escolher, a minha resposta é: critiquem tudo. Ou melhor, critiquem o todo. Não se deixem cair na armadilha do detalhe. Trump é um problema sistémico. Um problema sistémico da democracia e contra a democracia.
Em democracia sempre foi possível (e em tempos, que se calhar estão a voltar, foi até frequente) utilizar as regras da democracia contra a própria democracia. Na Europa, o caso mais concreto é o de Viktor Orbán, na Hungria, e há um livro que nos pode ajudar a entender o que lá se passou — O Estado-Máfia Pós-comunista, de Bálint Magyar. Segundo o seu autor, o estado-máfia caracteriza-se pelas figuras gémeas do autocrata (que tem poder político visível, e poder económico oculto) e do oligarca (que tem poder económico visível, e poder político subterrâneo). Nesse sentido, os EUA podem estar já a tornar-se num exemplo refinado de estado-máfia. Refinado por ser tão descarado. Trump é uma criatura nova, o autoligarca: o autocrata que é assumidamente o seu próprio oligarca.
No meio de tudo isto, torna-se um pouco fútil o exercício de desculpabilização à volta do futuro presidente americano. Gente que achou que ele nunca seria eleito procura agora entender o fenómeno através de um exercício paternalista sobre o “povo” (pois bem, eis uma ideia radical: o povo é feito de pessoas adultas que podem ser criticadas — quem não perceber isto não respeita o povo, por muito que dele fale).
E torna-se um pouco perigosa a moléstia que já nos causa a personagem de Trump. Se num fim-de-semana deixamos escapar a burla, a censura, o racismo e a prepotência, imaginemos o que será nos quatro anos da sua presidência.