O novo faraó conseguiu esvaziar a Tahrir
A “revolução parece gostar do Inverno”, dizia-se por estes dias, há cinco anos, no Cairo. Meses depois do afastamento do ditador Hosni Mubarak, a Praça Tahrir da capital voltava a encher-se de gente a exigir eleições e a entrega do poder aos civis; pediam-se ainda indemnizações pelos mortos e feridos dos 18 dias que começaram a mudar o Egipto, em Janeiro.
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A “revolução parece gostar do Inverno”, dizia-se por estes dias, há cinco anos, no Cairo. Meses depois do afastamento do ditador Hosni Mubarak, a Praça Tahrir da capital voltava a encher-se de gente a exigir eleições e a entrega do poder aos civis; pediam-se ainda indemnizações pelos mortos e feridos dos 18 dias que começaram a mudar o Egipto, em Janeiro.
Eram tempos de esperança e de resistência: num só domingo, 22 de Novembro de 2011, pelo menos 24 pessoas foram mortas a tiro ou asfixiadas com gás lacrimogéneo. A frase acima foi dita ao PÚBLICO nessa noite por Mona Soueif, fundadora do movimento No Military Trials e irmã de Alaa Abd El Fattah, um dos rostos da revolução, com longos períodos preso nos últimos anos. “Estou tão cansada de tentar perceber por que é que nos atacaram”, dizia também Soueif. Mas logo depois: “Isto parece-me muito com Janeiro e Fevereiro. Espero que seja uma nova vaga da revolução.”
Cinco anos depois, na Tahir só há tanques e forças de segurança. Nem uma bandeira, uma faixa, nem um manifestante. A nova vaga tarda.
Em 2011, em Novembro, a praça símbolo das revoltas árabes estava ocupada por uma multidão que gritava contra o SCAF – o Conselho Supremo das Forças Armadas –, que deixara cair Mubarak para não perder as rédeas do país desde sempre nas mãos dos militares.
“Parece que foi há uma vida”, diz-nos agora um jovem que então enfrentava a polícia e entretanto deixou o Egipto.
Os egípcios gritaram, resistiram e morreram às dezenas. O medo, aquela barreira de uma força paralisante que caíra em Janeiro, ainda não estava de regresso. Por causa disso, em Dezembro, houve eleições legislativas. No ano seguinte, presidenciais, as primeiras livres e democráticas do Egipto. Venceu Mohamed Morsi, do braço político da Irmandade Muçulmana, à segunda volta, com 52%. Mal esteve um ano no poder – em Julho de 2013 era afastado pelos militares, a pretexto de protestos massivos contra o seu Governo. Seguiram-se vários massacres; num só dia, mais de 700 apoiantes de Morsi foram mortos em duas praças do Cairo.
O que veio a seguir foi um novo faraó que começou por ocupar o poder e depois se fez eleger. Em Maio de 2014, o ex-coronel-general Abdul Fattah al-Sissi era eleito para a presidência com mais de 93% dos votos. Sissi secou tudo. E a Tahrir tem estado tranquila. Depois da repressão contra a Irmandade, com milhares de mortos e de detidos, seguiu-se a repressão contra quaisquer opositores e democratas. Ilegalizaram-se as manifestações, detiveram-se líderes activistas e assustaram-se outros. Tem sido os piores anos de sempre, piores do que os meses de Morsi, piores do que Mubarak.
Pode sempre piorar. E é por isso que, por estes dias, não há ninguém na Tahrir. Os actuais líderes pró-democracia decidiram não sair à rua na última convocatória para um protesto, no dia 11, temendo que por trás do apelo estivesse o próprio regime, à procura de um pretexto para travar o que ainda mexa, calar os poucos que ainda têm voz. Foi o que aconteceu quando Morsi foi deposto, algo que os activistas descobriram “demasiado tarde”, admitem.
O Egipto de hoje está de novo assustado, com fome, paralisado. A ONU e a União Europeia manifestam “preocupação” a cada novo ataque contra os direitos internacionais e a Constituição do país. E os líderes do mundo, os mesmos que hesitaram em festejar os protestos que começaram a 25 de Janeiro de 2011, recusaram chamar golpe ao que aconteceu em 2013. Pouco depois, aceitavam Sissi – afinal, um bom ditador, militar e tudo, sempre é preferível a um islamista eleito para liderar o maior dos países árabes.