Entre as aparas e o presunto do porco alentejano
Um porco alentejano que seja vendido, em média, a 450 euros a carcaça “gera quase mil euros num único presunto"
Para o bem e para o mal, a produção do porco alentejano está dependente em cerca de 90% do mercado espanhol. Tal como acontece com o borrego, os animais são transportados vivos para Espanha, onde são abatidos. As mais-valias da transformação do produto perdem-se para o mercado português.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Para o bem e para o mal, a produção do porco alentejano está dependente em cerca de 90% do mercado espanhol. Tal como acontece com o borrego, os animais são transportados vivos para Espanha, onde são abatidos. As mais-valias da transformação do produto perdem-se para o mercado português.
Os espanhóis focam-se apenas nas peças nobres do porco para a produção de presuntos e paletas (patas da frente). As empresas do país vizinho perceberam que havia um mercado promissor em Portugal para vender carne sobrante das carcaças, a preços inferiores, mas com a designação de porco preto.
O presidente da Associação de Criadores do Porco Alentejano (ACPA), Nuno Faustino, reconhece ao P2 que o mercado português “não tem condições para receber a produção” que é enviada para Espanha. “É uma pena que assim seja”, lamenta, frisando que, mesmo assim, se não fosse o mercado espanhol, “não havia condições para transformar os nossos porcos, e a totalidade da carne acabaria na indústria de salsicharia”.
A Barrancarnes, empresa instalada em Barrancos mas 100% espanhola, transforma entre 5 e 6 mil porcos ao ano. Já a unidade de transformação de Montaraz, em Ourique, faz anualmente a transformação de 600 a 700 porcos de bolota ou montanheira.
“Não há, em Portugal, cultura no consumo de presunto, ao contrário do que acontece em Espanha”, apesar de a qualidade produzida ser “tão boa como a melhor do país vizinho”, observa Nuno Faustino. O mercado português “não absorve o presunto que produzimos”.
Com efeito, a região alentejana tem um efectivo entre 30/40 mil porcos de montanheira, que durante dois ou três meses concluem o processo de engorda no interior dos montados, acrescido de um número de animais que oscila entre os 10 mil e os 15 mil que “todos os anos vêm de Espanha comer bolota no Alentejo”, refere o presidente da ACPA.
O porco de bolota é um produto muito caro mesmo em Espanha. Ainda recentemente, Nuno Faustino diz ter visto no aeroporto de Madrid embalagens com 70 gramas de porco ibérico que custavam quase 26 euros. “A empresa que o produz é o nosso principal cliente”, assinala.
Um porco alentejano que seja vendido, em média, a 450 euros a carcaça “gera quase mil euros num único presunto. E ainda falta o outro [um porco tem dois presuntos], mais duas paletas [as mãos] e as demais peças que vão alimentar a indústria de salsicharia e a venda de carne fresca, por exemplo em Portugal”, contabiliza Nuno Faustino.