Esquerda deixa dezenas de propostas a “marinar”

Será por haver custos acrescidos, será porque concordam no princípio, mas não na forma de lá chegar: os quatro partidos à esquerda têm empurrado para as comissões e grupos de trabalho muitos diplomas sem votação em plenário. Os assuntos discutem-se mas não se decidem.

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Depois de chegarem às comissões, os diplomas podem ser analisados de forma individual ou remetidos para grupos de trabalho que congregam as propostas dos vários partidos sobre o mesmo assunto MIGUEL MANSO

Desde o início da legislatura que os partidos de esquerda se têm unido em torno de objectivos que partilham mas em que divergem, por vezes, no caminho para lá chegar. Por isso, há diplomas que, apesar de terem sido discutidos em plenário da Assembleia da República, se vão eternizando na gaveta das comissões parlamentares e dos grupos de trabalho.

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Desde o início da legislatura que os partidos de esquerda se têm unido em torno de objectivos que partilham mas em que divergem, por vezes, no caminho para lá chegar. Por isso, há diplomas que, apesar de terem sido discutidos em plenário da Assembleia da República, se vão eternizando na gaveta das comissões parlamentares e dos grupos de trabalho.

São os casos, por exemplo, da reversão das freguesias, do regime da renda apoiada, do combate à criminalidade económica, da produção alimentar regional nas cantinas públicas, bandeiras de Bloco, PCP e PEV mas que estão há vários meses em grupos de trabalho. Como as sensibilidades de socialistas, comunistas, bloquistas e ecologistas não coincidem em várias matérias, muitos diplomas são discutidos em plenário mas no momento de serem votados acabam por baixar às comissões sem votação, a pedido de quem os propôs porque a maioria de esquerda não consegue pôr-se de acordo sobre o teor exacto das propostas de cada um.

Depois de chegarem às comissões, os diplomas podem ser analisados de forma individual ou remetidos para grupos de trabalho que congregam as propostas dos vários partidos sobre o mesmo assunto. Nos dois casos, muitas vezes os partidos pedem audições a diversas entidades, o que ajuda a derrapagens no calendário. No caso dos grupos de trabalho – e há 30 em actividade neste momento, a que se somam outros oito abertos e já encerrados nesta legislatura – há listas de audições que se vão sucedendo e os prazos para a apreciação dos diplomas tendem a ser sucessivamente prolongados.

Mas também há casos de grupos de trabalho que se constituíram há meses e que não têm qualquer actividade desde antes do Verão. Não há qualquer regra regimental que imponha prazos para os GT. Apenas as comissões de inquérito e as eventuais, como a da transparência, têm prazos, mas também aqui se pode pedir uma prorrogação ao presidente da Assembleia da República.

Salários dos gestores dos reguladores precisam de mais tempo
Na comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, há um dossier “quente” que baixou sem votação em Setembro: o da limitação dos salários dos gestores das entidades reguladoras. Depois de notícias em torno de aumentos significativos no salário do presidente de uma das entidades reguladoras, publicadas em Fevereiro do ano passado, BE, PEV e CDS entregaram, no Verão passado, projectos de lei para tentarem impor limites. A discussão ficou agendada para Setembro, mas como o PS não aceitou as propostas à sua esquerda as três iniciativas baixaram à comissão sem votação por 45 dias. O prazo terminou a semana passada, mas pode ser prolongado já que a Assembleia da República só está dedicada ao Orçamento do Estado. E será mesmo prolongado, já que os partidos solicitaram audições a várias entidades e só depois poderá haver um desfecho.

Acordo sobre direitos de animais em breve
Outro tema que está há meses a ser trabalhado para um entendimento – não apenas entre os partidos da geringonça, já que o PCP tem uma posição mais reservada – é o dos direitos dos animais e do agravamento das penas por maus tratos a animais de companhia. Foi criado, em Maio, um grupo de trabalho para discutir em pormenor as propostas de PSD, PS, BE e PAN, sobre a alteração ao estatuto dos animais. Só agora os partidos se entenderam sobre um texto único para criar um terceiro género para os animais – que deixam de ser “coisa” na legislação portuguesa. “Fizemos muitas audições e recebemos muitos contributos”, justifica o coordenador do grupo de trabalho, Carlos Abreu Amorim, do PSD, considerando que o texto a que se chegou será uma “verdadeira revolução” no sistema jurídico português. Outra parte da questão que esteve também a ser discutida no grupo de trabalho está relacionada com questões penais. Neste caso, os projectos do PS, BE e PAN, que agravam as penas por maus tratos a animais de companhia, também baixaram sem votação para se tentar um acordo. Aqui, as propostas terão de ser viabilizadas pelo PSD ou pelo PCP para permitir que sejam aprovadas. Os sociais-democratas estão ainda a reflectir sobre as alterações propostas, segundo Carlos Abreu Amorim.

Pacote do envelhecimento activo parado há cinco meses
Os seis projectos do envelhecimento activo do CDS estavam desde Junho na comissão – baixaram sem votação – depois de o PS não ter chumbado logo na generalidade e ter mostrado vontade em debater o assunto. Só que cinco meses depois, o líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães, vai provocar a votação em plenário logo que termine o processo do Orçamento do Estado por considerar que não houve vontade de chegar a um acordo. “Assim se vê a incoerência dos partidos da maioria que querem consensos mas nada fazem. O CDS sente-se defraudado”, afirmou ao PÚBLICO o líder da bancada parlamentar centrista. O CDS tinha ainda outros dois projectos deste pacote, nas mesmas condições, na comissão de Liberdades, Direitos e Garantias (um sobre indignidade sucessória, outro sobre agravamento de penas para violação de obrigação de alimentos), mas não foram pedidos os pareceres necessários de entidades como o Conselho Superior da Magistratura para poderem ser votados em plenário. Por isso, ainda estão na comissão desde Junho.

Produção alimentar nas cantinas
Os diplomas que obrigam ao uso da produção nacional e regional nas cantinas públicas e que foram aprovados em plenário em Dezembro deram origem a um grupo de trabalho no âmbito da COFMA. Desde então, houve quatro reuniões do grupo, todas com a mesma agenda – “Definição da metodologia para apreciação e discussão das várias iniciativas” -, mas nada se avançou. Porquê? “Quem tem poder para aprovar é a maioria de esquerda. Não temos interesse em puxar o tema e ver as nossas propostas chumbadas”, argumenta o centrista João Almeida, que critica a “estratégia do PS”: “Para não ter problemas com os partidos que o apoiam não lhes chumba as propostas, mas depois também não as agenda. É um jogo político que começa a ser demais…” O PEV, que fez do tema uma das suas bandeiras, admite o ritmo lento do processo, e não quer pressionar o PS para não ver a sua proposta chumbada. Ainda que assim seja "mais trabalhadoso e demorado", os ecologistas querem procurar um consenso a todo o custo em vez de queimar hipóteses de aprovar um diploma.

Transparência económica na gaveta
O mesmo acontece com as propostas de PCP e BE sobre a conta base nos bancos e a proibição deste mudarem as condições do crédito: aprovadas na generalidade e remetidas para um grupo de trabalho que não se mexe desde Março. E o outro grupo criado em Junho sobre o combate à criminalidade económica, financeira e fiscal, teve uma reunião no final de Setembro sobre metodologia. Este grupo tem na gaveta duas dezenas de propostas, desde os offshores ao regime para os pagamentos em dinheiros, passando pela transparência dos accionistas da banca. Alguns destes diplomas foram aprovados na generalidade, mas houve outros, nomeadamente os do BE e PCP, que querem ir muito mais longe do que o PS está disposto na questão da banca e dos paraísos fiscais, que baixaram sem votação, e o debate promete arrastar-se.

Custos travam redução de turmas
O processo legislativo, empurrado por PEV, PCP e BE, ainda vai a meio e não se sabe quando poderá chegar às salas de aula: a esquerda concorda com a redução do número de alunos por turma, mas a velocidades diferentes. O PS propõe que seja feita progressivamente a partir de 2017/18, os restantes querem consagrar já na lei os números. Resultado: o tema foi inaugurado pelo PEV em Novembro, debatido em plenário no início de Abril e as propostas baixaram à comissão de Educação sem votação. Depois de voltarem a plenário e serem aprovadas há pouco mais de um mês, os projectos de resolução seguiram para redacção final, mas os projectos de lei regressaram à comissão para a discussão na especialidade, num grupo de trabalho novo, que irá fazer audições. Como implica a contratação massiva de professores, o assunto tem grande impacto orçamental, pelo que tenderá a ser adiado.

Freguesias paradas
Cumprindo uma das bandeiras eleitorais, o PCP propôs a reposição das freguesias em Maio deste ano, mas dois meses depois pediu que o processo baixasse à comissão de Ambiente sem votação. Desde então, os deputados ouviram as associações de freguesias e de municípios em Setembro, mas o assunto não teve mais andamento no grupo de trabalho criado para o efeito. O PS só quer fazer a avaliação do processo de fusão, e o ministro já disse que nada se fará antes das autárquicas do próximo ano. Portanto, será um assunto adormecido durante os próximos meses.

Dados informáticos em banho-maria
Os deputados da Comissão de Cultura têm há sete meses entre mãos os dois diplomas do PCP e BE sobre o regime jurídico da partilha de dados informáticos e os direitos de autor. O assunto está a ser tratado num grupo de trabalho criado na sequência da baixa sem votação das propostas (que já pediu um segundo adiamento do prazo) e há ainda entidades para ouvir. Mas o grupo só reuniu duas vezes e desde Julho que está parado.