Um atraso normal nos museus portugueses, mas anormal no MNAA
No Museu de Arte Antiga há seis anos que as exposições inauguram na data anunciada. A Cidade Global, que passou de Novembro para Janeiro, é uma excepção. Atrasos destes acontecem, diz a Direcção-Geral do Património Cultural.
O recente adiamento de uma exposição temporária no Museu Nacional de Arte Antiga, A Cidade Global – Lisboa do Renascimento, causou estranheza mas é, diz o organismo responsável pelos museus do Estado, a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), algo que, “não sendo desejável, pode ocorrer – e ocorre com frequência – por razões diversas”. E não é só em Arte Antiga.
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O recente adiamento de uma exposição temporária no Museu Nacional de Arte Antiga, A Cidade Global – Lisboa do Renascimento, causou estranheza mas é, diz o organismo responsável pelos museus do Estado, a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), algo que, “não sendo desejável, pode ocorrer – e ocorre com frequência – por razões diversas”. E não é só em Arte Antiga.
Na terça-feira, o museu atribuiu a “motivos administrativos” o atraso desta exposição que evoca a Lisboa dos Descobrimentos e tem perto de 250 peças de 80 colecções públicas e privadas, portuguesas e estrangeiras.
A Cidade Global, que deveria decorrer entre 25 de Novembro e 25 de Março, está agora marcada para o período de 26 de Janeiro a 9 de Abril, o que significa que a sua duração tem, grosso modo, uma redução de um mês e meio. Uma redução que se traduzirá numa diminuição muitíssimo significativa de visitantes e, por isso, de receita. O Estado vai gastar o mesmo dinheiro, mas terá muito menos retorno (a exposição não pode ser prolongada porque, para o mesmo espaço, está já agendada outra dedicada à iconografia de Nossa Senhora, feita em colaboração com os Museus do Vaticano, que deverá abrir em Maio).
Orçada em 280 mil euros, segundo o plano de actividades para 2016 da direcção-geral do Património, esta mostra custa mais do dobro de todas as restantes exposições do programa do museu para este ano e não conta com o apoio de produtoras externas, como já aconteceu no passado. Era, naturalmente, a grande aposta para 2016 do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), um dos mais importantes e visitados do país, e é por isso que o seu adiamento levanta questões sobre o funcionamento dos museus portugueses, que não têm autonomia administrativa nem financeira, e da própria DGPC, o maior organismo do Ministério da Cultura (MC).
Em resposta ao PÚBLICO, a direcção-geral do Património garante que foi “assegurada a necessária cabimentação orçamental” e que, no caso da exposição do MNAA, “a maior fatia do orçamento se destina ao transporte das obras”, serviço cuja contratação é feita por concurso público, “que está a decorrer”.
Sempre que é obrigatório adiar uma inauguração, acrescenta ainda a DGPC, “o importante é assegurar que todas as partes envolvidas são informadas e todos os procedimentos cumpridos”.
O director-adjunto de Arte Antiga, assegura, por seu lado, que adiamentos desta natureza não têm ocorrido no museu: “Nunca houve atrasos no que se refere às grandes exposições temporárias nos últimos seis anos com esta direcção [a equipa liderada por António Filipe Pimentel chegou em Janeiro de 2010]. Dizemos que o pano sobe no dia tal e isso acontece.” Sobre os procedimentos administrativos que levaram ao atraso, José Alberto Seabra Carvalho acrescenta que é a DGPC que pode responder. “Cabe-nos o trabalho conceptual, técnico e organizativo. Como somos um serviço administrativo dependente, os procedimentos administrativos são feitos pela tutela.”
A exposição foi inscrita no plano de actividades da DGPC em finais de 2015, diz Seabra Carvalho. “As coisas depois correm como podem correr. Desta vez correram mal porque houve atrasos em vários procedimentos administrativos.” O director-adjunto não quis especificar quais, acrescentando apenas que acredita que estão em vias de conclusão.
Na terça-feira, num esclarecimento enviado ao PÚBLICO, o MC dizia que tinha ouvido as duas partes e que recebera a informação de que "o elevado número de entidades emprestadoras e a demora, da parte de algumas delas, na definição dos empréstimos e das respectivas condições de exposição, conduziram a um atraso". E quem deve ser responsabilizado por esse atraso? O museu? A direcção-geral?
“As peças foram formalmente pedidas em Agosto. Perfeitamente dentro dos timings. Porque quando os pedidos vêm já está tudo negociado. Antes disso houve inúmeras conversas, contactos e visitas às peças no sentido da sua selecção. Isto é uma construção”, diz um dos coleccionadores, que emprestará 15 objectos na área das artes decorativas, mas que pediu o anonimato.
“Não me parece que da parte do MNAA tenha havido desleixo. Já emprestei peças para exposições em todo o mundo e o procedimento que o MNAA teve comigo é o normal, tendo em conta que os timings desta exposição já eram curtos. Um ano em vez dos habituais dois ou três, uma vez que o livro que deu origem à exposição foi lançado em 2015 e as peças já foram pedidas em 2016”, acrescenta o mesmo coleccionador.
Pedro Aguiar-Branco, um antiquário que também tem peças emprestadas para a exposição, não sabe o que se passa mas acha verosímil a explicação da DGPC. “As minhas peças, que ainda são bastantes, foram pedidas há três meses. Sei que foram pedidas peças a instituições estrangeiras e naturalmente essas requerem cuidados e burocracias que o coleccionador privado não tem. São precisas muitas autorizações e é provável que tenha levado mais tempo do que o previsto.”
Não anunciar datas
O director do Museu Nacional de Arqueologia, que vai emprestar duas peças para a exposição, também teve de adiar a sua última grande exposição internacional, Lusitânia Romana, de Novembro de 2015 para o final de Janeiro de 2016. “Essa situação [do MNAA] já a vivemos. Não posso dizer que tenha tido um problema financeiro na Lusitânia Romana. Decorreu das próprias dificuldades de montagem da museografia feita por uma empresa externa”, explica António Carvalho, acrescentando que o concurso de museografia foi adjudicado no dia 6 de Outubro. Só para esta exposição houve oito procedimentos administrativos feitos pela DGPC.
Ninguém deu por isso porque a data de inauguração em Lisboa nunca chegou a ser anunciada, nem mesmo durante a apresentação em Mérida, onde a co-produção foi mostrada pela primeira vez. “Não dissemos porque as variáveis são muitas com a dificuldade que há em articular prazos de todos os parceiros, fornecedores e entidades envolvidas.” E isso é normal? “Não é desejável, mas já nos aconteceu duas vezes.”
Arte Antiga, ao contrário de Arqueologia, tem por hábito dizer quando serão as suas exposições. A Cidade Global não foi excepção e chegou mesmo a ser a capa do dossier com a programação entregue no último jantar que o MNAA promoveu com os seus mecenas, em Janeiro.
O adiamento da exposição do MNAA até pode ser algo comum na vida dos museus portugueses, mas prejudica a sua imagem internacional, diz o galerista luso-francês Philippe Mendes. O proprietário de uma galeria no centro de Paris acrescenta que as sucessivas polémicas que têm rodeado a vida recente do museu, como o acidente que danificou uma estátua do século XVIII e as declarações do seu director alertando para a iminência de uma calamidade, “criam um certo alarme”.
“Os museus estrangeiros que poderiam colaborar com o MNAA podem começar a desconfiar da ausência de meios”, acrescenta Mendes, lembrando também a importância do cumprimento dos prazos nas relações entre instituições. “Um museu não pode estar a emprestar uma obra para uma data que está sempre a mudar.”
Novo estatuto?
Um novo estatuto para o MNAA é uma discussão em curso, tendo o ministro da Cultura assumido tratar-se de um dos “equipamentos culturais bandeira” que poderão, tal como prevê o Programa do Governo, “beneficiar de uma maior autonomia de gestão para concretização de projectos”. Em Maio, de visita ao museu o próprio primeiro-ministro pôs o assunto na agenda, ao apontar a instituição como caso de estudo a ter em conta: “Esta direcção tem demonstrado ser possível fazer diferente, ganhar uma autonomia própria e, se calhar, quando assim é, mais vale o Estado acompanhar (…) o movimento das coisas e consagrar formalmente [a autonomia], de forma a dar os instrumentos necessários para que este museu possa ter a vida própria que merece.”
Contudo, o grupo de trabalho encarregue de produzir recomendações sobre o futuro do museu, presidido por Rui Vilar, ainda não conseguiu chegar a um “consenso sobre o modelo de autonomia” adequado, disse ao PÚBLICO o gabinete do ministro da Cultura. E embora Luís Filipe Castro Mendes tenha declarado publicamente, e em mais do que uma ocasião, o desejo de testar no MNAA, dada a sua “capacidade de iniciativa”, o modelo a replicar noutros equipamentos tutelados pelo MC, evitou sempre o tratamento de “museu nº1” reivindicado por António Filipe Pimentel.
Com Inês Nadais e Sérgio C. Andrade