Debaixo do coração gelado de Plutão há um mar viscoso?
O distante e gelado planeta-anão merece dois artigos publicados esta semana na revista científica Nature. Os cientistas apresentam novos dados sobre o que está debaixo da crosta de Plutão e sobre o alinhamento perfeito do seu coração gelado com a sua maior lua.
“Plutão continua a surpreender-nos”, constata Richard Binzel, investigador da missão New Horizons da agência espacial norte-americana NASA e um dos autores de um dos dois artigos publicados esta quarta-feira na revista Nature sobre Plutão. Por um lado, Richard Binzel e a sua equipa apresentam dados que parecem confirmar a existência de um oceano viscoso, lamacento, debaixo da superfície de Plutão. Por outro lado, um outro grupo de cientistas dedicou-se mais ao estudo da superfície do planeta e das origens de uma planície gelada no seu coração.
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“Plutão continua a surpreender-nos”, constata Richard Binzel, investigador da missão New Horizons da agência espacial norte-americana NASA e um dos autores de um dos dois artigos publicados esta quarta-feira na revista Nature sobre Plutão. Por um lado, Richard Binzel e a sua equipa apresentam dados que parecem confirmar a existência de um oceano viscoso, lamacento, debaixo da superfície de Plutão. Por outro lado, um outro grupo de cientistas dedicou-se mais ao estudo da superfície do planeta e das origens de uma planície gelada no seu coração.
Visto de tão longe, mais precisamente a mais de 5 mil milhões de quilómetros do planeta Terra, o planeta- anão parecia não só inatingível mas também desinteressante, um pequeno sítio feito de rocha e gelo a pairar no escuro, muito longe do sol. O tempo, sobretudo os últimos anos, provou o contrário. A passagem da sonda New Horizons que chegou tão perto como 18 mil quilómetros de distância de Plutão, em 2015, captou imagens únicas e que continuam a ser estudadas pelos cientistas. A imagem mais marcante desta missão mostra uma região brilhante em forma de coração que o planeta tem desenhado na superfície: o “coração gelado” de Plutão. Esta bacia gelada de azoto ficou a chamar-se de Região de Tombaugh (em homenagem ao astrónomo Clyde Tombaugh que descobriu o planeta em 1930). As imagens da New Horizons mostraram também cordilheiras de montanhas, glaciares feitos à base de azoto e nevoeiro na paisagem de Plutão.
Os dois estudos que esta semana são publicados na Nature centraram-se na análise das origens da Planície de Sputnik, com cerca de mil quilómetros de largura, que terá sido formada após o impacto de um cometa e que ocupa a metade esquerda do coração gelado de Plutão. Ao que tudo indica, a acumulação de gelo fez com que o planeta-anão rodasse e reorientasse a planície para o local onde hoje se encontra, perfeitamente alinhada com a sua maior lua (Caronte) e onde causa a menor oscilação possível do eixo de rotação do planeta-anão. Ou, como anuncia, o comunicado da Universidade do Arizona, nos EUA, “Plutão segue o seu coração gelado”.
Ao contrário do planeta Terra, Plutão gira como se fosse um pião deitado com os pólos virados para a luz do sol. Por causa disso, as regiões no seu equador não sofrem grandes oscilações de temperatura, mantendo-se sempre muito frias. O planeta-anão está quase 40 vezes mais longe do sol do que o planeta Terra e, por isso, ele demora 248 anos a dar uma volta completa ao sol. A temperatura média à superfície é de 229 graus Celsius negativos mas nalgumas regiões chega a ultrapassar os 240 graus negativos (o equivalente a 400 graus Fahrenheit negativos) , o suficiente para transformar azoto em gelo.
“Cada vez que Plutão gira à volta do sol acumula um pouco de azoto no coração”, explica James Keane, investigador na Universidade de Arizona e um dos autores do artigo. E continua: “Sempre que se acumula suficiente gelo, talvez com uma espessura de cem metros, esta massa começa a dominar a forma do planeta que, por sua vez, determina a sua orientação. E se existir um excesso de massa em determinado local, será orientado para o equador”. No fundo, é o clima que controla a forma e a posição no espaço de Plutão.
Os investigadores usaram as observações feitas pela sonda New Horizons e fizeram simulações em computador que recriavam uma superfície igual à Planície de Sputnik. Depois experimentaram deslocar a planície pela superfície do planeta para observar o que este movimento provocava no seu eixo de rotação. O planeta, tal como já dissemos, seguiu o coração gelado. Nas simulações, a Planície de Sputnik acabava sempre por ficar perto do local onde hoje se encontra.
Este fenómeno de reorientação através de um desvio polar também foi observado na lua da Terra e em Marte mas, nestes casos, terá ocorrido há muito, muito tempo. Em Plutão estes processos estarão actualmente em curso. “A geologia de Plutão – os seus glaciares, montanhas e vales – está ligada a processos voláteis. Isto é diferente do que passa na maioria dos outros planetas e luas do nosso sistema solar”.
O oceano debaixo do coração
O outro estudo publicado na Nature também analisou as implicações desta aparente reorientação do planeta-anão. Neste caso, os autores do artigo, assinado por cientistas da Universidade de Califórnia e investigadores da missão New Horizons da NASA, concordam com a teoria que defende que a força de maré empurrou a Planície de Sputnik para o local onde hoje se encontra. Mas, mais do que isso, sugerem que este processo só terá sido possível se debaixo da superfície de Plutão estiver escondido um oceano.
“Sob o coração de Plutão está um oceano frio e lamacento de gelo de água”, lê-se no comunicado sobre o artigo. Segundo explicam, o peso deste espesso oceano poderá explicar a posição da região de Tombaugh (o coração gelado de Plutão) em relação à maior lua do planeta, a Caronte. “Ao longo de milhões de anos, o planeta terá girado, alinhando o seu oceano subterrâneo e a região em forma de coração acima dele numa posição quase exactamente oposta à linha que liga Plutão e Caronte”, explicam os autores do artigo. Richard Binzel, investigador da New Horizons, nota que o planeta-anão revelou-se um desafio para os cientistas em muitos níveis. Esta nova perspectiva sobre a existência de um oceano sob a superfície de Plutão, que só foi possível com as imagens enviadas pela New Horizons, é mais uma das surpresas do pequenino e distante planeta gelado. Haverá mais.
Há poucos dias, a NASA anunciou que a sonda tinha, finalmente e passado mais de um ano da passagem pelo planeta-anão, terminado o envio de dados recolhidos sobre Plutão. A New Horizons continua a sua missão, iniciada em 2006, quando saiu da Terra. Neste momento, dirige-se para um outro objecto da Cintura de Kuiper, denominado 2014 MU69, que nos mostrará mais um pouco dessa região fria e distante. Esse encontro está marcado para Janeiro de 2019.