A amálgama
Jorge Sampaio foi incapaz de distinguir as criticas à esquerda que visam construir uma Europa de combate à desigualdade com as críticas à direita que visam o regresso a uma Europa de nacionalistas racistas.
A eleição de Trump e o pano de fundo internacional em que ela tem lugar, com o crescimento eleitoral de movimentos populistas xenófobos na Europa e o receio da sua chegada ao poder em diversos países tidos até aqui como civilizados, a par da crescente beligerância do nacionalismo imperialista russo de Putin e do reforço de outros nacionalismos pelo mundo, deu origem a uma narrativa simplificada da actualidade que tem sido adoptada pela maioria dos políticos e comentadores mainstream.
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A eleição de Trump e o pano de fundo internacional em que ela tem lugar, com o crescimento eleitoral de movimentos populistas xenófobos na Europa e o receio da sua chegada ao poder em diversos países tidos até aqui como civilizados, a par da crescente beligerância do nacionalismo imperialista russo de Putin e do reforço de outros nacionalismos pelo mundo, deu origem a uma narrativa simplificada da actualidade que tem sido adoptada pela maioria dos políticos e comentadores mainstream.
Segundo essa narrativa simplificada, estamos a assistir a um ataque concertado em várias frentes contra a sociedade democrática liberal que construímos nas últimas décadas. Esse ataque estará a ser levado a cabo por organizações radicais da esquerda e da direita que atacam a globalização económica que permitiu o desenvolvimento alcançado nas últimas décadas e que querem impor em seu lugar o proteccionismo económico; que criticam as organizações mundiais que têm regulado as relações internacionais desde a segunda Guerra Mundial e pregam o isolacionismo; que combatem o humanismo e defendem posições xenófobas e políticas racistas.
Esta narrativa, aparentemente civilizada, que diz pretender defender a sociedade aberta de liberdade, igualdade e bem-estar onde vivemos contra os seus inimigos totalitários, constitui na realidade um perigo que não é menor que aquele representado pelo populismo xenófobo de Donald Trump e dos seus amigos europeus.
E constitui um perigo porque se trata de uma amálgama que junta no mesmo saco, como se fossem exactamente a mesma coisa, críticas que, se podem visar os mesmos alvos, perseguem objectivos diametralmente opostos.
Colocar no mesmo saco as organizações políticas empenhadas na defesa dos direitos humanos que criticam a União Europeia pela sua falta de apoio aos refugiados das guerras do Médio Oriente com os nazis que criticam Angela Merkel pela sua corajosa concessão de asilo a centenas de milhares desses refugiados, com o argumento de que todos eles fazem “ataques à União Europeia”, apenas pode ser explicado com uma dose considerável de miopia ou de desonestidade. Como é desonesto e míope reduzir o Brexit a um movimento motivado pela xenofobia.
Jorge Sampaio, num artigo publicado recentemente neste jornal, onde pretende defender a mítica herança social e cultural europeia e onde afirma que a Europa deve constituir uma alternativa à financeirização da economia e ao capitalismo autoritário de tipo asiático, comete esse perigoso erro, ao ser incapaz de distinguir as críticas à esquerda que visam construir uma Europa de solidariedade e de combate à desigualdade com as críticas à direita que visam o regresso a uma Europa de nacionalismos racistas.
Esta nova versão de “There Is No Alternative”, onde quem não é por esta Europa disfuncional, que promove desigualdades gritantes entre países e grupos de pessoas, onde as regras são só para alguns, onde se esquece a básica solidariedade humana, onde a ditadura dos mercados financeiros se sobrepõe à democracia política, é rotulado de aliado objectivo do racismo, não é ética nem politicamente tolerável.
O combate da esquerda é por isso hoje ainda mais difícil, contra um sistema político e económico iníquo e injusto e contra os que defendem que a solução passa pela exclusão de uma parte dos cidadãos. Esse combate é, porém, mais importante do que nunca.
jvmalheiros@gmail.com