Vírus do ébola nem sempre causa sintomas

Estudo confirma que houve quem não ficasse doente durante a última epidemia. Mas será que podia transmitir a doença?

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Vírus do ébola, que foi identificado pela primeira vez em 1976 no ex-Zaire e no Sudão USAMRIID/Reuters

Em Sukudu, uma aldeia de 900 habitantes no distrito de Kono, no Leste da Serra Leoa, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, cientistas identificaram um grupo de pessoas que esteve em contacto com o vírus do ébola — assim revela a presença de anticorpos no seu sangue — mas não ficou doente.

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Em Sukudu, uma aldeia de 900 habitantes no distrito de Kono, no Leste da Serra Leoa, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, cientistas identificaram um grupo de pessoas que esteve em contacto com o vírus do ébola — assim revela a presença de anticorpos no seu sangue — mas não ficou doente.

A aldeia esteve no centro deste furacão: no distrito de Kono, foi um dos locais mais atingidos na última epidemia do ébola, a maior que já tivemos desde que, em 1976, este vírus que causa hemorragias até à morte foi identificado. Entre o final de 2013 (quando a epidemia começou na Guiné-Conacri) e Junho de 2016 (quando foi declarado o fim), ficaram infectadas mais de 28 mil pessoas e morreram mais de 11 mil, nos três países mais afectados — a Guiné-Conacri, a Libéria e a Serra Leoa.

Ainda que os primeiros casos tenham surgido em 2013, a situação só chegou à Organização Mundial da Saúde (OMS) em Março de 2014. Foi por esta altura que surgiram na Libéria os primeiros casos. Em Maio, o vírus já tinha chegado à Serra Leoa. E em Agosto de 2014, a OMS declarava a epidemia como uma emergência de saúde pública internacional. O vírus chegou a mais países africanos — ao Mali, à Nigéria e ao Senegal. E, pela primeira vez, houve transmissões fora de África — em Espanha, nos EUA e no Reino Unido.

Em Sukudu, foram relatados 34 casos de ébola, 28 dos quais mortes. Um ano após o início do surto na aldeia, o pior já tinha passado. Foi então que Eugene Richardson (da organização Partners In Health e da Universidade de Stanford, EUA) e colegas aterraram na aldeia, para verificar se houve casos de infecção que passaram “por baixo do radar”, devido à quase ausência de sintomas, como vómitos e diarreia. Casos que podiam influenciar o curso e o controlo de um surto.

Ora na epidemia de 2013-2016, estas “infecções minimamente sintomáticas” não foram consideradas relevantes nos modelos epidemiológicos ou nas acções no terreno. “As provas de infecção do vírus do ébola com sintomas mínimos são limitadas”, lê-se no artigo sobre este trabalho publicado esta terça-feira na revista PLOS Neglected Tropical Diseases. O estudo pretende assim melhorar a compreensão da dinâmica da transmissão do ébola em humanos, diz a equipa, que inclui Paul Farmer, conhecido cientista da área da saúde pública na Universidade de Harvard (EUA) e director da Partners In Health.

Foram identificados 193 adultos e crianças que estiveram de quarentena, ou porque viviam com alguém que tinha ébola confirmado ou tinham partilhado uma latrina. Dessas 193 pessoas, nunca identificadas como casos de ébola, a equipa conseguiu recolher sangue de 187. Depois, procurou anticorpos contra o ébola, cuja presença significaria que a pessoa tinha estado em contacto com o vírus (como controlo do estudo, os cientistas recrutaram ainda, no distrito de Kono, 30 sobreviventes do ébola e outras 132 pessoas que negaram ter tido contactos com alguém infectado).

Entre as 187 pessoas, os cientistas encontraram anticorpos em 14. Enquanto 12 pessoas disseram não ter tido quaisquer sintomas, duas contaram ter tido apenas alguma febre quando estiveram de quarentena. O que confirma suspeitas anteriores de que o vírus — que pode matar entre dez a 80% daqueles que apresentam sintomas, dependendo das estirpes — não causa de forma uniforme esta febre hemorrágica.

“O estudo corrobora provas anteriores de que o ébola é como a maioria dos outros vírus, causando um espectro de manifestações, incluindo a infecção minimamente sintomática. Fornece provas importantes nesse aspecto”, diz Eugene Richardson, citado num comunicado da sua universidade. “Também significa que uma parte importante das transmissões pode ter passado sem detecção durante o surto. Isto mostra que houve muito mais transmissão de humano para humano do que pensávamos.”

Tendo em conta os resultados, a equipa extrapola no artigo: “Os nossos dados sugerem que 25% das infecções de ébola podem ser minimamente sintomáticas.”

Embora o estudo não possa identificar a altura exacta das infecções das 14 pessoas ou que não tenham mesmo tido sintomas, o estudo levanta novas questões, como saber o que têm estas pessoas para resistir ao vírus. Ou será que quem é assintomático o transmite? Isto não se sabe (mas sabe-se que os doentes sobreviventes podem passá-lo pelo sémen meses após o fim dos sintomas). “Não o transmitem da maneira usual, por vómitos e diarreia. Mas não é claro se o conseguem transmitir nas relações sexuais”, diz Eugene Richardson.